Golpe promete consulta de valores a receber usando versão falsa do portal Gov.br, do governo federal

  • Publicado em 25 de setembro de 2024 às 18:03
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 18 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei 14.973/2024 que, dentre outras medidas, permite que a União recolha dinheiro de contas “esquecidas”. Após a promulgação da nova medida, um anúncio compartilhado dezenas de vezes nas redes sociais redireciona os usuários para uma versão falsa do portal oficial do governo, prometendo uma consulta gratuita aos valores esquecidos. Mas o único site no qual é possível verificar se um cidadão tem recursos a receber é o sistema do Banco Central, como alerta a Secretaria de Comunicação Social (Secom). O serviço já é gratuito.

“Novo programa foi aprovado em setembro de 2024 Aproveite e consulte o seu direito agora mesmo, não perca a oportunidade de resgatar um bom valor”, diz o anúncio publicado no Facebook.

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Captura de tela feita em 23 de setembro de 2024 de uma publicação no Facebook
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O texto faz referência à Lei 14.973, de 2024, sancionada em 17 de setembro, que autoriza a União a recolher valores ditos esquecidos, caso não sejam reivindicados por seus respectivos titulares dentro de um prazo pré-determinado.

A publicação inclui também uma suposta notícia publicada pelo portal g1, da Globo, com a mensagem: “Você pode ser multado! Atenção! A partir do dia 25 de agosto de 2024 é dever de todo cidadão brasileiro, consultar se tem VALORES A RECEBER de instituições financeiras. A não pesquisa ou não retirada do valor disponível para saque, será transferido para fins públicos. Consulte gratuitamente se você tem valores a receber clicando em ‘SAIBA MAIS’".

Diferentemente do que afirma a primeira frase do anúncio, não é prevista nenhuma multa na Lei 14.973 para quem não resgatar os valores “esquecidos”. O que a norma determina é que, caso esses recursos não sejam solicitados dentro de prazos pré-estabelecidos, eles serão incorporados de forma definitiva ao Tesouro Nacional.

Além disso, a identidade visual do conteúdo não tem semelhança com as matérias publicadas pelo g1, que possuem como estrutura um título, subtítulo, assinatura e então uma imagem. A suposta manchete também traz um fundo azul claro, que não está presente nas reportagens do portal:

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Comparação feita em 20 de setembro de 2024 entre capturas de tela de uma publicação no Facebook (E) e de uma notícia publicada pelo portal g1

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Ao clicar na imagem da manchete falsa, o usuário é redirecionado para uma página semelhante à do portal Gov.br, do governo federal, com um campo onde o usuário deve inserir seu CPF. No entanto, a URL do site — “resgate-segro.shop” — difere da URL da verdadeira plataforma do governo — “sso.acesso.gov.br”. A fonte utilizada na página também não é a mesma do portal oficial:

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Comparação feita em 20 de setembro de 2024 entre capturas de tela do site falso (E) e do portal Gov.br, do governo federal (.)

O site falso também apresenta outras inconsistências, como elementos clicáveis que não direcionam o usuário a nenhuma outra página. É o caso, por exemplo, dos termos de uso e privacidade: ao clicar sobre essas palavras, uma nova guia se abre com a mesma página de login inicial, sem mostrar o texto dos termos de uso. Já no verdadeiro portal Gov.br, ao clicar sobre essa opção, o usuário é redirecionado para outra página com as informações sobre os termos de uso do portal.

Em um texto publicado em novembro de 2023 e atualizado em junho de 2024, a Secom alertou para golpes semelhantes, ressaltando que o único site legítimo para saber se uma pessoa física ou jurídica possui dinheiro “esquecido” é o Sistema de Valores a Receber, do Banco Central, que é gratuito e pode ser acessado na URL: valoresareceber.bcb.gov.br

“Golpistas se aproveitam da existência desse serviço para obter dados pessoais e também quantias em dinheiros das pessoas. Aplicativos e sites prometem o dinheiro esquecido em contas de bancos mediante preenchimento de formulários e pagamento de taxas”, informa o texto publicado pela Secom.

Para conferir se possui algum valor a receber, o usuário pode fazer essa consulta de forma pública no sistema, sem necessidade de login. Basta inserir o CPF e a data de nascimento da pessoa em questão.

Já para solicitar o resgate desse valor ou consultar o protocolo da solicitação, é necessário entrar no sistema Gov.br, e possuir uma conta nível prata ou ouro.

Procurado pelo AFP Checamos, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, responsável pelo portal Gov.br, confirmou que o site utilizado no anúncio é falso, e que o acesso aos serviços do portal Gov.br é realizado pelo endereço “acesso.gov.br”.

A pasta também pontuou que “já fez denúncia de sites semelhantes e informa que fará uma nova comunicação para as autoridades competentes sobre este novo caso”.

Perfil inautêntico

A maioria das publicações que divulgam a plataforma falsa do Gov.br no Facebook tem como origem um único perfil, identificado como Camila Campos.

Por meio de uma consulta à biblioteca de anúncios da Meta, empresa dona do Facebook, é possível ver que o mesmo perfil veicula dezenas de anúncios como este em setembro de 2024.

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Captura de tela feita em 23 de setembro de 2024 de uma consulta à biblioteca de anúncios da Meta (.)

A mesma consulta também mostrou que, em junho do mesmo ano, o perfil havia veiculado outro anúncio que acabou sendo removido por ausência de um rótulo obrigatório, segundo a plataforma da Meta. 

Outra consulta, à seção “Transparência da página” no perfil citado, mostra que a conta originalmente se chamava “Isto ecom” até setembro de 2023, quando alterou seu nome para “Camila Campos”

Em uma entrevista publicada em 2020, o diretor de Cibersegurança da Meta, Nathaniel Gleicher, citou que mudanças significativas de nomes são um dos sinais de comportamento inautêntico na plataforma.

Uma busca reversa pela imagem usada no perfil mostrou que a mesma foto está disponível em um site russo e é usada também por outros perfis no Facebook (1, 2, 3):

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Captura de tela feita em 23 de setembro de 2024 de uma busca reversa de imagem feita no Google Lens
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O AFP Checamos já verificou outras tentativas de golpe nas redes sociais (1, 2, 3).

Referências

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