Em entrevista, Lula pediu divulgação de atas eleitorais na Venezuela, não disse desconfiar de urnas
- Publicado em 25 de setembro de 2024 às 21:01
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“Lula afirma que não confia nas urnas eletrônicas sem impressão de votos”, diz uma das publicações que circulam no Threads, no Telegram, no LinkedIn, no TikTok, no Kwai e no X*. A alegação também foi compartilhada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Instagram e no Facebook.
As publicações são embasadas em um vídeo, no qual Lula afirma: “Só para você ter ideia, as urnas da Venezuela, quando você vota numa máquina eletrônica, como aqui, tem um ticket. Aquele ticket é colocado numa urna, então você tem o voto eletrônico e você tem a urna. O que que nós queremos? É que o Conselho Nacional que cuidou das eleições diga publicamente quem é que ganhou as eleições, porque até agora ninguém disse quem ganhou”.
Na sequência, ao ser questionado se reconhecia Maduro como presidente eleito, o presidente responde: “Ainda não. Ele sabe que ele tá devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo. Tem que apresentar os dados. Agora, os dados têm que ser apresentados por algo que seja confiável. O Conselho Nacional Eleitoral, que tem gente da oposição, poderia ser…, mas ele não mandou para o Conselho. Ele mandou para a Justiça, para a Suprema Corte dele”.
Em 29 de julho de 2024, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, responsável pelo processo eleitoral no país, declarou que Maduro obteve 52% dos votos contra 43% do seu principal adversário, Edmundo González Urrutia.
Apesar dos pedidos da oposição e de vários países (1, 2), entre eles o Brasil, para que divulgue os resultados detalhados das atas eleitorais, o CNE não difundiu os dados e alegou que seu sistema foi alvo de “um ataque hacker em massa”. A oposição, por sua vez, publicou em um site atas que sustentam que González Urrutia foi o vencedor do pleito, com 67% dos votos, e vem convocando protestos.
Uma pesquisa no Google pela frase “Ele sabe que ele tá devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo”, dita por Lula na gravação, exibiu notícias publicadas pela imprensa (1, 2), em 15 de agosto de 2024, repercutindo a declaração do presidente feita durante entrevista à Rádio T nesta data.
Uma nova pesquisa por “entrevista” e “Lula” na página da Rádio T no YouTube levou à íntegra da conversa.
Na ocasião, Lula foi indagado sobre sua relação com Maduro e sobre o recente pleito venezuelano. Ele então afirmou que “ainda” não reconhecia a vitória do presidente da Venezuela pela falta de transparência do processo de votação e cobrou a divulgação das atas eleitorais – é este o trecho compartilhado fora de contexto nas redes sociais.
Em nenhum momento da entrevista o mandatário disse não confiar em urnas eletrônicas.
No fragmento viralizado, Lula se referia especificamente ao sistema eleitoral venezuelano — que apesar de também ser eletrônico, é diferente do brasileiro — e ao seu funcionamento nas eleições deste ano.
Diferenças entre os sistemas
No sistema atualmente usado na Venezuela, o eleitor se identifica e faz o reconhecimento biométrico. Em seguida, registra seu voto em um equipamento eletrônico, que também imprime um registro em papel para que o cidadão verifique se sua escolha foi corretamente computada. Esse registro impresso, por sua vez, é depositado em uma urna física.
Paralelamente, a urna eletrônica venezuelana emite a ata eleitoral, um documento que informa quantos votos cada candidato recebeu naquele equipamento e os números de votos brancos, nulos e abstenções — o equivalente ao Boletim de Urna (BU) no sistema brasileiro.
Normalmente, esse documento é enviado eletronicamente ao Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e cópias são entregues aos representantes de cada partido que estejam no local da votação. É esse documento que o Brasil e diferentes organizações internacionais pedem que o CNE divulgue publicamente.
Também são as atas eleitorais que fundamentam a reivindicação da oposição. Apoiadores de González Urrutia dizem ter conseguido coletar algumas cópias do documento no dia do pleito que, juntas, provariam sua vitória.
Já no Brasil, a urna eletrônica foi desenvolvida internamente pela Justiça eleitoral e não emite um comprovante impresso do voto. Essa informação é armazenada sob a forma de um arquivo eletrônico chamado Registro Digital do Voto (RDV).
Após a votação, a urna imprime os Boletins de Urna (BUs), que indicam quantos votos foram registrados no equipamento. Esses documentos são tornados públicos imediatamente após o encerramento da votação, sendo fixados na porta da seção eleitoral e distribuídos aos fiscais dos partidos.
Além disso, desde 2022, tanto os BUs quanto os RDVs são publicados online pelo TSE. É possível acessá-los na página Resultados, da Justiça Eleitoral, na seção “Dados de Urna”.
A fala de Lula não era, portanto, uma crítica às urnas eletrônicas como um todo, mas uma cobrança pelo cumprimento dos mecanismos de auditoria previstos no modelo venezuelano.
Este conteúdo também foi verificado pelo Aos Fatos.
*As publicações do X foram acessadas por integrantes da AFP localizados fora do Brasil devido à suspensão da plataforma no país.