Governo não anunciou confisco de poupanças; declaração de Haddad é sobre orçamento público
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 8 de dezembro de 2023 às 18:58
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
As publicações, compartilhadas no TikTok, no Instagram e no Kwai, são compostas por capturas de tela de uma manchete noticiando a declaração de Haddad sobre o bloqueio e diferentes textos sugerindo que o dinheiro virá da poupança dos brasileiros.
“Collor 2 A Missão…Saquem seu dinheiro…Salvem-se quem puder!!! Ô gente, não quero assustar, mas quem tem dinheiro em poupança, cata tudo. Eu passei por isso no governo collor e não foi nada bom”, diz uma das publicações.
As peças de desinformação circulam em meio a declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre as metas fiscais para o próximo ano. O ministro defende o déficit zero em 2024, ou seja, que o valor das receitas seja equilibrado ao das despesas do governo, enquanto Lula já declarou que acredita ser difícil o cumprimento dessa meta.
Contudo, diferentemente do que as peças de desinformação apontam, o possível bloqueio de R$ 23 bilhões anunciado pelo ministro Haddad não significa um confisco das poupanças dos brasileiros.
Uma busca no Google pela manchete que circula nas imagens virais levou a uma matéria publicada pela Jovem Pan sobre a declaração feita pelo ministro da Fazenda, em 17 de novembro de 2023, durante um encontro com jornalistas.
No texto, é informado que Haddad disse que, caso não seja alcançada a receita necessária para zerar o déficit fiscal em 2024, será necessário bloquear entre R$ 22 bilhões e R$ 23 bilhões de recursos públicos.
“O contingenciamento pode chegar a R$ 22 bilhões ou R$ 23 bilhões, e a expansão do gasto pode chegar a R$ 15 bilhões”, afirmou o ministro na ocasião, como indica a reportagem.
A declaração foi amplamente veiculada na imprensa (1, 2, 3). Em todas as matérias, cita-se que o valor seria bloqueado dos gastos públicos, sem qualquer menção ao sistema de poupança dos brasileiros.
Em e-mail enviado à equipe do AFP Checamos em 1º de dezembro de 2023, o Ministério da Fazenda confirmou o teor da declaração de Haddad: “Não há nenhuma proposta de confisco de poupanças dos cidadãos pelo atual governo. O ministro Haddad se referiu a um eventual contingenciamento (bloqueio temporário) no orçamento público, ou seja, do Governo, em 2024, e que pode ser necessário para o cumprimento das premissas do novo marco fiscal”.
O governo federal já havia desmentido conteúdos desinformativos sobre um suposto confisco da poupança em julho de 2023.
Poupança não é orçamento público
O bloqueio dos recursos públicos, interpretado erroneamente nas peças de desinformação, não há como atingir a caderneta de poupança dos brasileiros, como afirmaram economistas ao AFP Checamos.
O economista e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) Nelson Marconi explica que as cadernetas de poupança são aplicações financeiras em bancos privados ou públicos, e que não entram nem nos gastos, nem nas receitas do governo.
E são justamente as despesas e receitas que compõem o orçamento público, que mantém a máquina pública a cada ano. Como acrescenta João Rogério Sanson, economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os juros da dívida pública e o déficit, quando há, também entram no orçamento.
Como explica Sanson, a única influência que o orçamento pode ter nas cadernetas de poupança é quando a despesa primária adicional à arrecadação impacta na demanda de bens e serviços, elevando a taxa de inflação.
“Esse é o principal efeito direto sobre as poupanças das pessoas, em especial para os ‘sem banco’, pois a maior taxa de inflação diminui o poder de compra dos salários e do dinheiro poupado. Se a inflação for relativamente baixa, isso nem é notado, mas, com o efeito acumulado ao longo do tempo, fica bem visível”, continua.
Ele também elucida que o papel do órgão público quanto às poupanças é apenas regulatório, havendo legislações específicas que limitam os poderes do Executivo e do Legislativo sobre esse setor.
Uma delas é a emenda constitucional 32, que proíbe a edição de medidas provisórias que autorizem a retenção de poupanças populares, além de bens e outros ativos financeiros.
Cenário diferente do Plano Collor
As peças de desinformação citam Fernando Collor de Mello, ex-presidente que renunciou em meio a um processo de impeachment por corrupção, como forma de levar à interpretação de que haverá um confisco das poupanças no governo atual.
Essas citações fazem referência ao pacote econômico Brasil Novo, conhecido como Plano Collor, de 1990, que instituiu, dentre outras medidas, o confisco da poupança dos brasileiros, assim como valores em conta-corrente, com a prerrogativa de frear a inflação, que atingiu os 84% ao mês à época.
Sobre as comparações atuais feitas com esse episódio, o professor da UFSC esclarece que as circunstâncias são totalmente diferentes, por mais que haja um aumento nos gastos.
“Creio que, pelo menos por enquanto, uma política de confisco direto da poupança esteja longe de acontecer. Ela ocorreu na época como medida de controle de uma taxa de inflação de quatro dígitos, e aumentando. Hoje, a taxa é de um dígito e se aproximando da meta (fiscal), que nem existia na época do governo Collor”, explicou em entrevista ao AFP Checamos.
Essa visão é reafirmada pelo professor da FGV, que afirma que este é um boato frequente, mas que não houve novas tentativas de confiscos desde o ocorrido em 1990.
Outras alegações sobre supostos confiscos de poupanças já foram verificadas pelo AFP Checamos (1, 2, 3).