Vídeo não mostra “ferimentos falsos” em Gaza; imagens são de um curta-metragem libanês

O vídeo de uma menina ferida em meio a escombros não mostra “falsos ferimentos feitos por maquiagem”, como afirmam publicações visualizadas mais de 17 mil vezes nas redes sociais desde 9 de novembro de 2023, no contexto do ataque militar israelense na Faixa de Gaza, em resposta à investida armada do movimento islamista palestino Hamas em 7 de outubro de 2023. Na verdade, as imagens são de um curta-metragem libanês. À AFP, o diretor da sequência denunciou o uso da gravação fora de contexto.

“MAQUIAGEM PARA ENGANAR. Hamas Hollywood. Enganação do Hamas. Os palestinos estão enganado os meios de comunicação e a opinião pública. Não caia nessa. Veja como eles fingem ferimentos e evacuam civis ‘feridos’ tudo na frente das câmeras”, diz a legenda de uma publicação no Facebook. A alegação também é compartilhada no Kwai, no Telegram e no X (antes Twitter).

O conteúdo também circula em francês e arábe.

No início da gravação é vista uma uma menina sentada em uma maca, com a cabeça ensanguentada e rodeada por socorristas do Crescente Vermelho, no meio do que parece ser uma cena de guerra. Depois, a mesma menina é vista sorrindo, sendo maquiada, enquanto outros atores aguardam ao fundo.

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Captura de tela feita em 21 de novembro de 2023 de uma publicação no X ( .)

O conteúdo circula após 7 de outubro de 2023, quando um ataque do Hamas contra Israel deixou quase 1.200 mortos, além de 240 reféns, segundo as autoridades israelenses.

Em resposta, Israel prometeu “aniquilar” o grupo islamista e tem bombardeado a Faixa de Gaza. Mais de 14.800 palestinos foram mortos nos ataques, incluindo mais de 6.100 menores de idade, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.

As imagens virais, contudo, são do curta-metragem de um diretor libanês, e dos seus bastidores.

Curta-metragem filmado em Sídon

Uma busca reversa por um dos fragmentos da gravação usando a ferramenta InVid-WeVerify* permitiu localizar um vídeo, publicado em 28 de outubro de 2023, na conta no Instagram de Mahmoud Ramzi, diretor do curta-metragem intitulado “The Reality”. Na gravação, vê-se imagens semelhantes às do conteúdo viral.

Contatado pela AFP, Ramzi confirmou que as imagens foram feitas na cidade de Sídon, no sul do Líbano, e não em Gaza. O curta-metragem é apresentado como uma ilustração do conflito israelense-palestino.

O vídeo publicado por Ramzi contém diferentes cenas em plano-sequência, ou seja, em um único movimento de câmara e sem cortes, que mostram manifestantes palestinos carregando bandeiras, uma equipe do Crescente Vermelho socorrendo pessoas, uma família palestina segurando balões, adolescentes tirando selfies e um violinista tocando ao lado da maca em que uma menina ferida, a mesma vista no conteúdo viral, está sentada.

Essa sequência de imagens, pouco realista, publicada no Instagram de Ramzi não sugere que o diretor tenha tido o objetivo de fazer as pessoas acreditarem que se tratava de uma cena “real”.

A segunda parte do vídeo viral, no qual a criança aparece sendo maquiada enquanto está sentada na maca, se trata dos bastidores do curta-metragem. Em 29 de outubro de 2023, o ator Rami Jardali compartilhou em seu perfil no Instagram um vídeo com o making-of da gravação. “Bastidores de ‘The Reality’”, lê-se na legenda da publicação, em tradução livre para o português. Ele também mencionou o diretor da sequência, Mahmoud Ramzi.

Uma comparação entre fragmentos do conteúdo viral e as imagens dos bastidores publicadas pelo elenco do curta permite observar os mesmos elementos:

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Comparação feita em 22 de novembro de 2023 entre uma publicação no Facebook (E) e a imagem dos bastidores do curta “The Reality” ( .)

O diretor palestino expressou à AFP “sua raiva” pela circulação fora de contexto de trechos de seu curta-metragem e compartilhou verificações feitas por outros veículos a respeito da sequência em seu perfil no Instagram.

O vídeo viral circula em meio a questionamentos sobre os números de vítimas da atual guerra entre Hamas e Israel, que não podem ser verificados de forma independente.

O presidente norte-americano, Joe Biden, por exemplo, expressou dúvidas no final de outubro sobre os dados do Hamas, embora os Estados Unidos reconheçam que as vítimas palestinas estão na casa “dos milhares”.

Em resposta, em 26 de outubro, o Ministério de Saúde do Hamas decidiu publicar uma lista identificando o gênero, a idade e o número de identidade dos quase 7.000 palestinos mortos até aquele momento para “revelar os detalhes e os nomes ao mundo inteiro para que possam saber a verdade”.

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos que circulam sobre o conflito entre o grupo Hamas e Israel em 2023.

*Depois que a extensão InVid-WeVerify estiver instalada no navegador Chrome, clique com o botão direito do mouse na imagem e o menu suspenso se oferece para iniciar uma pesquisa em vários navegadores.

Referências

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