Emir do Catar não disse que cortará exportações de gás em apoio a Gaza; vídeo é de 2017
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- Publicado em 24 de outubro de 2023 às 22:00
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- Por Emilie BERAUD, AFP Àfrica, AFP Brasil
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“O Catar anunciou que se Israel não parar de bombardear Gaza, seu país cortará as exportações de gás natural para Israel e seus aliados ocidentais”, escreveu um usuário no Facebook com a sequência viral de sete segundos, que mostra o emir do Catar em um pronunciamento à imprensa durante uma transmissão com subtítulos em árabe. Alegação semelhante também é compartilhada no TikTok, no Kwai, no Instagram e no X (antes Twitter).
O conteúdo também circula em chinês, coreano, francês, inglês e espanhol.
A sequência é compartilhada após o início dos ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro. Pelo menos 1.400 pessoas morreram do lado israelense, a maioria civis que foram baleados, mutilados ou queimados até a morte no primeiro dia do ataque, de acordo com autoridades de Israel.
Israel afirma que cerca de 1.500 combatentes do Hamas foram mortos em confrontos antes que seu exército recuperasse o controle da área atacada.
Ao menos 5.791 pessoas foram mortas na Faixa de Gaza em bombardeios israelenses em represália aos ataques do Hamas, de acordo com o último balanço do Ministério da Saúde do Hamas.
O Catar é um dos principais produtores mundiais de Gás Natural Liquefeito (GNL), junto a Estados Unidos e Austrália.
Mas a gravação viral é antiga e não tem relação com os acontecimentos recentes.
Um vídeo de 2017
Uma busca reversa com fragmentos da sequência viral usando a ferramenta InVID WeVerify* retornou a uma versão mais longa do vídeo, com 43 segundos, publicado no canal do YouTube da Al Jazeera, em 14 de maio de 2017.
“Emir do Catar: a questão palestina é a de um povo desenraizado e deslocado da sua pátria”, diz o título do vídeo, em tradução para o português utilizando a ferramenta Google Tradutor.
De acordo com a legenda da publicação, o discurso do líder do Catar foi proferido durante o 17º Fórum de Doha, realizado na capital do Catar em 14 e 15 de maio desse ano, sob o lema “Desenvolvimento, estabilidade e a crise de refugiados”.
É possível identificar, ainda, parte das palavras “17º fórum de Doha” e um retângulo verde (sinalizado em vermelho abaixo), ambos presentes em um tuíte publicado no perfil da televisão estatal Qatar Television em 14 de maio de 2017:
Uma outra pesquisa com o mecanismo de busca Yandex mostrou que as palavras exibidas no retângulo vermelho, na parte inferior da tela, dizem em árabe: “Emir do Catar: A crise dos refugiados culmina com conflitos globais, guerras civis e operações de demolição baseadas em históricos racistas.”
O Google Lens também mostrou uma tradução semelhante dos escritos em árabe na faixa: “O emir do Catar afirmou: A crise dos refugiados é o resultado de conflitos regionais, guerras civis e operações de deslocamento baseadas no racismo”.
Uma pesquisa por palavras-chave com alguns desses termos em árabe no Google retornou a reportagens publicadas pela imprensa local (1, 2) e portais oficiais do Catar (1, 2) sobre o discurso do emir em maio de 2017.
Discurso sobre os palestinos deslocados
Ao contrário do que afirmam os conteúdos virais, em nenhum momento do vídeo o emir do Catar menciona a intenção de limitar as exportações globais de gás do país.
A íntegra do seu discurso durante o Fórum de Doha foi publicada no site oficial do Amiri Diwan, sede do governo do Catar e escritório administrativo do emir. A gravação é acompanhada da transcrição completa em árabe da fala do líder do Catar.
Uma tradução do discurso com a ferramenta Google Tradutor permite compreender que a intervenção do emir abordou principalmente a crise vivida pelos refugiados no Oriente Médio em decorrência dos conflitos regionais e deslocamentos forçados por razões raciais ou étnicas.
“Alguns desses deslocamentos têm raízes profundas, como o deslocamento de refugiados palestinos em 1948 durante a Nakba [‘catástrofe’ em árabe, termo que designa os 760 mil palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas casas durante a primeira guerra árabe-israelense]”, diz.
Na sequência, ouve-se o fragmento compartilhado nas redes sociais: “Portanto, pode-se dizer que a questão palestina começou como a questão de um povo expulso de sua terra e banido de seu país”, afirma.
Um funcionário do governo do Catar confirmou em 16 de outubro de 2023 à AFP que “este é mais um caso de desinformação online contra o Catar; tal declaração nunca foi feita e nunca será feita. O Catar não politiza os seus fornecimentos de Gás Natural Liquefeito (GNL) ou qualquer investimento econômico.”
O AFP Checamos já verificou outros conteúdos que circulam sobre o conflito entre o grupo Hamas e Israel em 2023.
*Depois que a extensão InVid We Verify estiver instalada no navegador Chrome, clique com o botão direito do mouse na imagem e o menu suspenso se oferece para iniciar uma pesquisa em vários navegadores.
Referências
- Vídeo publicado no canal do YouTube da Al Jazeera em 2017
- Site do Fórum em Doha
- Tuíte publicado pelo Catar Television em 2017
- Pesquisa no Yandex
- Reportagens publicadas pela imprensa local (1, 2)
- Sites oficiais do Catar (1, 2)
- Vídeo completo do discurso no 17º Fórum de Doha em maio de 2017