Imagem da Groenlândia é erroneamente associada a publicações sobre o clima na Antártica

Os cientistas afirmam que o aumento da temperatura tem mudado a vegetação na Antártica. Nesse contexto, usuários compartilharam mais de 3.500 vezes nas redes sociais desde 25 de setembro de 2023 uma imagem acompanhada da alegação de que ela mostra os impactos das mudanças climáticas nessa região. Mas o registro em questão é da Groenlândia e as flores vistas não são encontradas na Antártica.

“O aquecimento global está fazendo com que as temperaturas na Antártida aumentem, o que está levando a um derretimento da neve e do gelo, o que está liberando nutrientes no solo. Esses nutrientes estão, por sua vez, estimulando o crescimento das plantas (...) Normalmente, essas flores florescem no verão antártico, que vai de novembro a fevereiro. No entanto, em 2023, elas foram vistas florescendo em agosto, o que é cerca de quatro meses antes da época normal (...)”, diz uma das publicações que circulam no Facebook, no Instagram, no X (antes Twitter) e no Kwai.

Conteúdos semelhantes também foram compartilhados em inglês.

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Captura de tela feita em 5 de outubro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Algumas publicações que circulam em inglês se referem a um estudo de 2022, da cientista Nicoletta Cannone, da Universidade de Insubria.

A AFP entrou em contato com Cannone, que afirmou que a publicação “simplificou muito” a sua pesquisa na universidade italiana e que o termo “flores” não representa com precisão o objeto de seu estudo — suas descobertas focam em plantas vasculares.

O “forte aumento da temperatura do ar” nos últimos 60 anos na Península Antártica, e acima do nível médio de aquecimento global, impactou duas plantas vasculares nativas da Antártica, aponta o seu trabalho.

“As plantas da imagem não são da Antártica”, disse em 25 de setembro.

Flora ártica

Uma busca reversa permitiu identificar o contexto real da foto, que foi tirada na Groenlândia, ilha que faz parte da Dinamarca.

Um registro correspondente pode ser encontrado no banco de imagens britânico Alamy, anterior à publicação do estudo de Cannone.

“Um iceberg flutuando nas águas da costa da Groenlândia. Flores na margem. Natureza e paisagens da Groenlândia”, diz a legenda da imagem, com data de 23 de fevereiro de 2017.

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Captura de tela feita em 5 de outubro de 2023 da fotografia no banco de imagens Alamy ( .)

Katrine Raundrup, cientista do Instituto de Recursos Naturais da Groenlândia, também confirmou a informação em 27 de setembro: “As espécies na imagem são comumente encontradas na Groenlândia”.

A Groenlândia é cercada pelo Oceano Ártico. A imagem e a pesquisa de Cannone concentram-se, portanto, em lugares geograficamente opostos.

O cientista Mikko Tiusanen, especialista em mudanças ambientais em plantas e polinizadores na região do Ártico, disse à AFP em 27 de setembro que as espécies de flores vistas na imagem são parecidas com Silene acaulis e Saxifraga cespitosa, “ambas comuns em muitas áreas do hemisfério norte, mas ausentes na Antártica”.

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Vegetação é vista em 14 de agosto de 2019 na ilha de Kulusuk (também chamada Qulusuk), no município de Sermersooq, na costa sudeste da Groenlândia ( AFP / JONATHAN NACKSTRAND)

Peter Convey, ecologista terrestre da British Antarctic Survey, disse em 26 de setembro: “Mesmo nas ilhas subantárticas, muito mais amenas, onde existe muito mais vegetação, praticamente não há plantas nativas polinizadas por insetos, portanto não há flores coloridas com pétalas como essas para atrair insetos”.

Ele também afirmou que embora as espécies nativas estejam expandindo em tamanho populacional e localização, interpretado como resposta às mudanças climáticas na região, elas “já estavam na Antártica, ao longo da Península Antártica, então já estavam florescendo”.

Apesar das publicações nas redes serem enganosas, ambas as regiões da Groenlândia e Antártica têm perdido massa de gelo — com a maior taxa de perda registrada no período de 2010 a 2019 —, com a projeção de que isso continue no futuro devido às altas temperaturas, de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC).

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos (1, 2) sobre o clima.

Referências

9 de outubro de 2023 Ajusta metadados

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