Vídeo de árvores intactas circula erroneamente vinculado aos incêndios no Havaí de 2023

Um vídeo de uma vista aérea de edifícios carbonizados e árvores intactas não foi feito durante os incêndios de agosto de 2023 no Havaí, ao contrário do que asseguram postagens visualizadas mais de 34 mil vezes nas redes sociais desde então. Segundo as publicações, as imagens provariam que as chamas foram causadas por “armas laser”. Na realidade, buscas indicaram que as imagens foram capturadas na Califórnia após um incêndio em 2018. Além disso, especialistas explicaram à AFP que o fogo se espalha de forma diferente entre a vegetação dependendo dos fatores ambientais.

“Este incêndio no Havaí, em alguns lugares, só queimou as residências, sem atingir as árvores.Isto é exatamente o que seriam os efeitos de uma arma dirigida de laser.”, diz uma das publicações compartilhadas no Instagram, no Facebook, no Kwai, no YouTube, no Telegram e no X (antigo Twitter).

Publicações similares também circulam em espanhol.

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Captura de tela feita em 30 de agosto de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Desde 8 de agosto de 2023, uma série de incêndios devastou vários locais do estado do Havaí, principalmente na ilha de Maui. Os incêndios foram considerados um dos desastres naturais mais mortais da história recente dos Estados Unidos, com mais de 110 mortes.

Vídeo da Califórnia em 2018

No vídeo que viralizou nas redes sociais, aparece o endereço do site “viewer.hangar.com”, que correspondia a um aplicativo para produzir visualizações em 360 graus a partir de 300 pés (cerca de 92 metros) acima do solo, permitindo ao usuário se movimentar pelo terreno; no entanto, o aplicativo não está mais ativo.

Uma pesquisa reversa no Google usando capturas de tela da gravação levou a reportagens de novembro de 2018 sobre os incêndios “Camp Fire”, na Califórnia (1, 2), que destruíram a cidade de Paradise, deixando 85 mortos.

As pesquisas também mostraram uma página no Reddit em que um usuário comentou, em 16 de agosto de 2023, que o vídeo era da cidade de Paradise, na Califórnia, e havia sido gravado em 2018. Postagens em inglês e chinês nas redes sociais também compararam o vídeo ao ocorrido no Havaí, garantindo que as imagens mostravam um incêndio na Califórnia.

Outra pesquisa por capturas de tela usando a ferramenta Yandex revelou um tuíte de 2020 compartilhando o vídeo. Este foi o vídeo mais antigo encontrado pela AFP.

A AFP analisou imagens de satélite anteriores a 2018 na ferramenta Google Earth Pro que permitiram encontrar um edifício com estrutura idêntica à que aparece nas gravações viralizadas.

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Comparação da estrutura de edifícios no vídeo viral (E) e o “e Paradise” feita em 30 de agosto de 2023 ( .)

“Old Town Plaza”, o prédio que aparece na gravação, era um centro comercial de estrutura retangular em Paradise, com um estacionamento, que foi completamente destruído pelo fogo.

A equipe de verificação da AFP não encontrou a sequência original.

Árvores em incêndios

As imagens de satélite permitem observar as áreas geográficas afetadas pelos incêndios na ilha de Maui em 2023 e na cidade de Paradise em 2018. Com isso, a AFP constatou que, ao contrário do que afirmam as publicações viralizadas, houve sim perdas na vegetação das florestas em Paradise.

Com a ferramenta FIRMS da Nasa, um sistema para detectar incêndios ao redor do mundo, são observados pontos de calor capturados por sensoriamento remoto na superfície terrestre. No caso de Paradise, em 2018, a FIRMS mostra que essa localidade teve uma perda significativa na cobertura florestal entre 25 de outubro e 25 de novembro. O fogo destruiu mais de 68.000 hectares.

Nas imagens capturadas pela plataforma de desenvolvimento geoespacial para dados de observação da Terra, Sentinel Hub (1, 2), a perda de árvores naquela área da Califórnia é observada com maior detalhe entre 25 de outubro e 9 de dezembro de 2018.

Por outro lado, o FIRMS mostra que durante os incêndios na ilha de Maui, de 1º a 20 de agosto de 2023, os principais focos de calor estavam localizados em áreas de pastagens, com menor cobertura florestal. As imagens do Sentinel Hub (1, 2) também refletem as mudanças na coloração do terreno antes e depois do incêndio.

Outro foco de calor é a área urbana de Lahaina, à beira-mar e a oeste da ilha, onde de fato árvores foram afetadas. Artigos da imprensa (1, 2) informam sobre a vegetação perdida devido ao incêndio. Durante a sua cobertura na área, a AFP capturou várias imagens que mostram árvores carbonizadas.

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Imagem aérea de um prédio destruído em Lahaina, Havaí, em 10 de agosto de 2023. ( AFP / Patrick T. Fallon)

Além disso, especialistas informaram à AFP que não é incomum que certas árvores não queimem durante incêndios.

"Existe uma explicação física para o motivo pelo qual os troncos e grandes galhos das árvores não queimam enquanto as casas queimam", explicou Ernesto Alvarado, professor associado de pesquisa da Faculdade de Ciências Ambientais e Florestais da Universidade de Washington, à AFP em 15 de agosto de 2023. "Isso tem a ver com o teor de umidade, o tempo de permanência do fogo e sua composição", esclareceu.

O "tempo de permanência" se refere ao período em que uma partícula de combustível está em uma chama.

Camille Stevens-Rumann, vice-diretora de pesquisa e monitoramento ecológico do Instituto de Restauração Florestal do Colorado, afirmou à AFP em 15 de agosto de 2023 que diferentes tipos de vegetação também reagem de maneiras diversas. Algumas árvores nativas de Maui, como o mamane, por exemplo, possuem propriedades de resistência ao fogo.

"Muitas árvores tropicais, como as que crescem no Havaí, tendem a ter um alto teor de água, o que significa que é menos provável que queimem mesmo quando está seco, em comparação com a grama e toda a madeira seca usada na construção de casas e estruturas", explicou Stevens-Rumann.

Incêndios causados por raios?

Embora as autoridades ainda não tenham identificado a causa dos incêndios em Maui, o The Washington Post e o The New York Times informaram que linhas elétricas caídas podem ter sido a causa dos primeiros incêndios. Ao contrário do que afirmam as postagens viralizadas, não há evidências de envolvimento de armas de energia dirigida ou lasers, conforme já foi explicado pelo AFP Checamos.

Mike Rothschild, especialista no movimento QAnon e autor do livro "Jewish Space Lasers", explicou à AFP em 11 de agosto de 2023 que "pessoas desesperadas por respostas prefeririam acreditar em armas espaciais do que na realidade da crise climática".

O mesmo foi observado por Michael Gollner, professor associado de Engenharia Mecânica na Universidade da Califórnia em Berkeley, que pesquisa a dinâmica do fogo. Ele explicou que "obviamente, essas são acusações realmente absurdas".

"Embora a fonte de ignição seja desconhecida, ela poderia ter vindo de linhas elétricas danificadas pelo vento ou de qualquer outra fonte acidental possível", disse, acrescentando que "com ventos tão fortes e uma grande quantidade de grama seca circundando a comunidade, não há necessidade de uma ignição do 'espaço', qualquer faísca no chão propagaria esse fogo incrivelmente rápido, como vimos".

Susan Buchanan, diretora de assuntos públicos do Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos, comentou à AFP em 11 de agosto de 2023 que a agência havia alertado previamente as autoridades locais "sobre as perigosas condições climáticas de incêndio nas ilhas havaianas" e também havia emitido "um alerta de bandeira vermelha".

"E uma combinação de vegetação seca, ventos fortes, ar seco e baixa umidade relativa ajudou a propagar os incêndios fatais assim que foram iniciados", explicou.

Cidades de 15 minutos

Algumas das postagens viralizadas mencionam que o incêndio foi causado porque "os que nos governam querem que sejamos menos e que nos concentremos em cidades e capitais para o projeto de cidade a 15 minutos".

As "cidades de 15 minutos" derivam de um conceito desenvolvido pelo urbanista colombiano Carlos Moreno, que busca fornecer serviços básicos aos cidadãos a um quarto de hora de distância. No entanto, a ideia foi deturpada e transformada em desinformação, alegando que seu objetivo é "confinar" as pessoas em bairros.

Moreno definiu essas mensagens como "mentiras, manipulações e falsidades" e explicou à AFP em 1º de março de 2023 que "não se trata de confinar ou restringir, mas sim de liberar tempo para os cidadãos". "É uma proposta de proximidade feliz, não uma prisão", afirmou o urbanista.

A arquiteta Margarita de Luxán, professora emérita da Universidade Politécnica de Madrid, também afirmou em declarações à AFP em 4 de março de 2023 que "não se propõe de forma alguma nenhum controle ou restrição", mas sim busca-se "continuidade entre as áreas que atendam a essas condições" de proximidade.

Referências

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