Ashton Kutcher falou, em vídeo, sobre exploração sexual infantil, mas não acusou Hollywood
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- Publicado em 31 de julho de 2023 às 23:09
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- Por Valentín DÌAZ, AFP Estados Unidos, AFP Brasil
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“PROTEJAM SEUS FILHOS, PROTEJAM AS CRIANÇAS. Ashton Kutcher está se preparando para EXPOR o império do tráfico sexual infantil de Hollywood, unindo forças com: Jim Caviezel, Mel Gibson, Mark Wahlberg e Eduardo Verastegui”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Telegram e no Kwai.
Conteúdo similar também circula em inglês e espanhol.
Os atores Jim Caviezel e Eduardo Verástegui, citados nas mensagens, fazem parte da produção do filme "Sound of Freedom" (Som da Liberdade, em tradução livre), lançado nos Estados Unidos em 4 de julho de 2023. A sequência conta a história de Timothy Ballard, um ex-agente do Departamento de Segurança Interna dos EUA que investiga casos de exploração sexual infantil na América Latina.
O filme tem sido alvo de polêmica nos Estados Unidos devido às declarações de Caviezel e Ballard, que relacionam o tráfico de crianças a uma "elite" pedófila e epicentro da "guerra cultural" entre conservadores e liberais nos Estados Unidos. Enquanto os conservadores o elogiaram por se dirigir a uma seção da classe trabalhadora norte-americana que dizem ter sido desprezada pelas elites de Hollywood, os liberais o chamaram de ferramenta de recrutamento para o QAnon.
No podcast “WarRoom” de Steve Bannon, em 20 de junho, Caviezel garantiu, a partir do minuto 7:91, que uma das razões pelas quais o tráfico de crianças existe é "todo o império do adrenocromo (...) um componente químico, uma droga de elite, 10 vezes mais poderoso que a heroína e que tem algumas qualidades místicas, pois faz você parecer mais jovem”. Ballard fez declarações semelhantes durante uma entrevista com Jordan Peterson.
Essas narrativas já foram abordadas pela AFP no passado e estão ligadas ao movimento de conspiração QAnon, que nasceu em 2017 entre os apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (2017-2021). Seus seguidores afirmam que o adrenocromo é uma droga consumida pelas “elites globais” e que vem de crianças capturadas em redes de tráfico humano (1, 2).
Vídeo de 2017
As publicações compartilham um vídeo no qual Ashton Kutcher fala para uma plateia e menciona alguns dos trabalhos de sua fundação, que busca impedir a disseminação de material de abuso sexual infantil online.
Sobre uma mesa aparece uma placa que identifica o ator como “co-fundador da Thorn: Digital Defenders of Children” (Defensores Digitais das crianças, em tradução livre).
Uma pesquisa no YouTube usando uma combinação das palavras-chave “Ashton Kutcher” e “Thorn” levou a um vídeo da ABC News intitulado, em inglês, “Discurso de Ashton Kutcher sobre Tráfico Humano ao Congresso”. Ao contrário do que sugerem as mensagens viralizadas, o material não é recente: foi publicado em 15 de fevereiro de 2017.
A gravação transmitida nas redes é um fragmento desse vídeo, retirado a partir do minuto 3:08.
Em seu discurso, Kutcher citou alguns exemplos em que sua organização usou um programa de computador para resolver casos de violência sexual contra crianças através da internet. Além disso, comentou sobre o papel que a tecnologia desempenha na detecção desse tipo de material. Em nenhum momento ele se referiu a uma suposta rede de tráfico sexual em Hollywood.
Kutcher nega conexão com "Sound of Freedom"
Em comunicado enviado à AFP por e-mail, por meio de seus porta-vozes, em 24 de julho de 2023, Kutcher chamou as postagens viralizadas de "rumor falso".
“Embora Thorn (thorn.org) continue trabalhando, usando tecnologia para identificar crianças vítimas de abuso sexual em todo o mundo e ajudando a colocá-las em segurança, não temos conhecimento de nenhuma rede oculta de pedófilos famosos", disse o ator e produtor, que lidera a Fundação Thorn com sua ex-esposa, a também atriz Demi Moore.
Kutcher acrescentou que esta não é a primeira vez que sua intervenção no Congresso é usada para fins de desinformação, um fenômeno que, em suas palavras, "distrai do trabalho real" no esforço de "proteger as crianças".
Uma pesquisa no site e nas redes sociais da fundação (1, 2) demonstra que ela está focada no desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para detectar e denunciar material de abuso sexual infantil. Mas não foi encontrada nenhuma postagem relacionada a crimes sexuais em Hollywood.
Em seu relatório de impacto de 2022, a ONG afirma: “A Thorn nasceu para revolucionar o combate ao abuso sexual de menores por meio do uso da tecnologia. Sabíamos que existiam recursos tecnológicos que poderiam ajudar a encontrar vítimas ou defender crianças de abuso sexual, mas eles não estavam sendo criados ou implantados em larga escala”.
Em abril de 2023, Kutcher e a CEO da Thorn, Julie Cordua, realizaram uma série de reuniões com representantes do Parlamento Europeu para discutir esta questão na União Europeia, no contexto das discussões da Comissão Europeia para abordar este fenômeno.