Bolsonaro não leu matéria da Exame quando fez alegações sobre vacinas contra a covid-19 e aids

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  • Publicado em 30 de dezembro de 2022 às 18:46
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  • Por AFP Brasil
Jair Bolsonaro não se baseou em uma matéria da revista Exame quando disse, em transmissão ao vivo em outubro de 2021, que as vacinas contra a covid-19 causam aids, como dizem publicações desde 28 de dezembro de 2022. A fala volta à tona em meio à notícia de que a Polícia Federal concluiu que, na ocasião, Bolsonaro cometeu crime por divulgar alegações falsas. O texto lido era do site “Before it’s news” e falava em “relatório oficiais” britânicos e pessoas “totalmente vacinadas”. Já o artigo da Exame mencionava um risco “teórico”, quando os imunizantes nem sequer haviam começado a ser aplicados.

“A revista @exame fez a matéria ligando covid a aids. O presidente Bolsonaro leu a matéria ao vivo. E está sendo processado por isso. E a revista exame sofreu algum tipo de processo? Mandou retirar a postagem do ar? Quem leu a matéria eh punido e quem fez não? Qual a lógica nisso?”, dizem publicações compartilhadas mais de 2.500 vezes no Twitter, no Instagram e no Facebook.

Carlos Bolsonaro, que havia repercutido a alegação em 2021, voltou a mencioná-la após a conclusão do inquérito pela Polícia Federal.

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Captura de tela feita em 29 de dezembro de 2022 de uma publicação no Twitter ( .)

Na transmissão ao vivo de 21 de outubro de 2021, Bolsonaro disse: “Outra coisa grave aqui, só vou dar a notícia, não vou comentar. (...) Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados - quem são os totalmente vacinados? Aqueles que depois da segunda dose, 15 dias depois, 15 dias após a segunda dose — estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido que o previsto”. Essa alegação é falsa, informaram autoridades de saúde britânicas à AFP.

A live do presidente foi removida (1, 2) do Facebook, do Instagram e do YouTube sob o argumento de que violava as diretrizes das plataformas sobre desinformação em relação às vacinas e à covid-19.

Uma busca no Twitter por trechos da transmissão no momento em que Bolsonaro lia o texto que associava a imunização contra o SARS-CoV-2 à possibilidade de “desenvolver” aids permitiu identificar a verdadeira fonte usada pelo presidente: o site Before it’s news.

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Captura de tela feita em 26 de outubro de 2021 de uma publicação no Twitter ( .)

Com data de 15 de outubro de 2021, o artigo é intitulado, em tradução livre do inglês: “Uma comparação de relatórios oficiais do governo sugere que os totalmente vacinados estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida muito mais rapidamente do que o previsto”. Além desse texto, o Checamos encontrou outros três artigos do mesmo site que relacionam a imunização contra a covid-19 e o “desenvolvimento” de aids (1, 2, 3).

Mas a matéria da Exame vista nas postagens, intitulada “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV”, não menciona qualquer relatório oficial do governo do Reino Unido e foi publicada em outubro de 2020, quando a vacinação contra a covid-19 nem sequer havia começado.

Vacinas contra a covid-19 e HIV

O texto noticiava a publicação de uma carta na revista The Lancet em que cientistas expressaram preocupação com o fato de que alguns dos imunizantes contra a covid-19 utilizavam o adenovírus de número 5 (Ad5), que, em um estudo de uma vacina contra a aids, pareceu aumentar o risco de infecção pelo HIV.

Em outubro de 2021, quando as alegações circularam pela primeira vez, o Checamos entrou em contato com Susan Buchbinder, uma das autoras da carta enviada à revista The Lancet e diretora de Pesquisa de Prevenção ao HIV no Departamento de Saúde Pública de San Francisco. Ela explicou:

“Há mais de uma década, realizamos dois estudos de uma vacina contra o HIV (usando o adenovírus tipo 5 ou vetor Ad5) que parecia aumentar o risco de infecção por HIV em pessoas que foram expostas através de práticas sexuais. (...) Esse aumento de risco era transitório. Não fomos capazes de encontrar o mecanismo exato pelo qual isso ocorreu”. E continuou:

No Brasil, a CanSino não consta na lista de imunizantes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já a Sputnik é listada como “vacina com autorização para importação excepcional”.

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Profissional de saúde segura uma caixa com frascos da vacina Sputnik V contra a covid-19 em Nova Délhi, em 3 de julho de 2021 ( AFP / Prakash Singh)

Ao AFP Checamos, Rafael Larocca, imunologista com pós-doutorado no Centro de Virologia e Vacinas de Harvard, que em 2017 publicou um artigo sobre o tema, disse ter verificado que esse adenovírus “induz um fenótipo nas células T CD4 (células-alvo do HIV)” aumentando alguns receptores, “o que ajudaria na entrada do vírus”.

Mas o imunologista apontou que não há como assegurar que a presença desse adenovírus nas vacinas contra a covid-19 aumente a chance de uma pessoa “desenvolver aids”: “É somente uma possibilidade, pois nunca se confirmaram esses dados”. Além disso, completou, “só se adquire HIV se a pessoa se expuser ao vírus, uma vacina jamais causaria isso”.

Diante das alegações feitas por Bolsonaro em sua live, a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) se manifestou em seu site, em 25 de outubro de 2021, assinalando que “nenhuma vacina desenvolvida contra a covid-19 pode causar aids” ou “tem o potencial de transmitir o vírus do HIV”. E ressaltou que os imunizantes “protegem contra a gravidade da doença, inclusive pacientes imunossuprimidos e portadores de HIV”.

Após a viralização de capturas de tela do site da Exame, a revista modificou seu título e texto para acrescentar a data em que foram publicados e o contexto do estudo que originou a carta enviada à revista The Lancet.

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