Diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, durante a cerimônia de promulgação da lei que autorizava estados, municípios e o setor privado a comprarem vacinas contra a covid-19, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 10 de março de 2021 ( AFP / Evaristo Sa)

Presidente da Anvisa não alertou sobre “risco grave” de vacinas anticovid; sua fala foi editada

  • Este artigo tem mais de um ano
  • Publicado em 19 de janeiro de 2022 às 19:30
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Trechos de uma entrevista do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, foram compartilhados mais de 25 mil vezes nas redes sociais, desde ao menos 5 de dezembro de 2021, com a alegação de que ele admitiu que a população “corre risco grave ao tomar a vacina” contra a covid-19. Mas sua fala foi editada. A sequência foi tirada de uma entrevista de 10 de fevereiro de 2021, quando o Congresso avaliava flexibilizar regras para a aquisição de vacinas. Ao comentar sobre um “risco sanitário grave”, Barra Torres não se referia à segurança das vacinas anticovid, e sim a uma medida provisória que sujeitava a Anvisa a conceder autorização a qualquer vacina aprovada por agências reguladoras de outros países em até cinco dias após a submissão do pedido.

“Presidente da Anvisa admite q população corre risco grave ao tomar a vacina. Ele declara que foi tirado pelo STF, o direito da Anvisa de analisar todos os dados necessários para a liberação da vacina. Isso quer dizer que ninguém sabe o que está tomando”, dizem publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3) no Twitter (1, 2, 3) e no GETTR (1).

Outras publicações acrescentam: “Foi só Bolsonaro dizer que ia mostrar o nome dos funcionários que Anvisa, que o presidente da mesma arregou!!”, em referência ao presidente ter defendido, em transmissão de 16 de dezembro de 2021, a divulgação dos nomes de funcionários do órgão que aprovaram a vacinação de crianças de 5 a 11 anos.

Image
Captura de tela feita em 14 de janeiro de 2022 de uma publicação no Facebook ( . / )

O vídeo viralizado reúne trechos de uma entrevista do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, à CNN Brasil, em que ele fala sobre um “risco sanitário grave”, respondendo a uma pergunta sobre perigos para a população.

O texto que acompanha as imagens reforça que Barra Torres defendeu que a “população corre risco grave ao tomar a vacina”, pois “foi tirado pelo STF o direito da Anvisa de analisar todos os dados necessários para a liberação da vacina”.

Contudo, a fala do presidente da Anvisa não tem relação com a segurança dos imunizantes ou com o Supremo Tribunal Federal (STF). A entrevista, concedida em 10 de fevereiro de 2021, tinha como contexto uma medida provisória que buscava acelerar o processo de aquisição de vacinas contra a covid-19.

Para Barra Torres, um novo artigo agregado à Medida Provisória 1.003/2020 faria com que a agência não mais analisasse os pedidos de farmacêuticas, devendo “conceder autorização” aos pedidos que tivessem sido aprovados por agências reguladoras de outros países, em um prazo de até cinco dias.

“Por que o senhor tem essa avaliação, de que a medida provisória tira então essa competência de análise da Anvisa? Você explicou isso para o presidente?”, perguntou a analista de política da CNN Basília Rodrigues, em trecho que não aparece na sequência compartilhada nas redes sociais.

Barra Torres respondeu: “Sim, isso foi explicado ao senhor presidente e assessores, porque é o que está escrito. Está escrito no artigo 5º, logo na primeira sentença, lá diz: A Anvisa concederá autorização, então não há margem a mais nada. A Anvisa seria reduzida a uma atividade cartorial, uma atividade de conferência de documentos, um checklist, sem nenhuma análise de mérito”.

A fala que aparece em seguida na sequência viral é cortada de forma a sugerir que Barra Torres se posicionava sobre perigos relacionados à vacina, quando na verdade, a pergunta completa abordava “o risco desse artigo 5º” e “da retirada de autonomia da Anvisa”. A continuação da pergunta é o que aparece, de forma isolada, no vídeo que circula nas redes: “Na prática, para a população, a gente corre algum risco?”, indagou a jornalista Luciana Barreto.

“Corre risco sanitário grave”, respondeu o presidente da Anvisa, comentando sobre a impossibilidade de análise de pedidos pela agência reguladora. “Simples assim. Porque o fato de estar aprovado/registrado em outro país não necessariamente autoriza o uso no Brasil sem riscos. E é fácil de entender: nós temos uma série de verificações a serem feitas”, disse Barra Torres.

O posicionamento, portanto, não referia-se à segurança das vacinas, e sim “à possibilidade, caso aprovada uma Medida Provisória proposta pelo Congresso, de liberação rápida de vacinas sem a análise técnica da Anvisa”, explicou a agência reguladora ao AFP Checamos em 14 de janeiro de 2022.

“Ou seja, o diretor-presidente referia-se a um cenário hipotético, que ao fim e ao cabo, e com final feliz para a população brasileira, acabou não se realizando. Todas as vacinas à disposição no Brasil, e até hoje aprovadas para uso pela população, passaram pela análise técnica da agência, com total garantia pelo órgão de que possuem segurança, qualidade e eficácia”, completou a Anvisa.

À época, as vacinas aprovadas pela agência reguladora eram a AstraZeneca e a Coronavac. Desde então, somaram-se às duas a Pfizer e a Janssen.

Veto

O artigo 5º da MP 1.003/2020 acabou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, por, entre outras razões, contrariar o interesse público “ao tornar compulsória a autorização temporária de uso emergencial para a importação, de forma a dispensar a prévia análise técnica por parte da Anvisa acerca da segurança, qualidade e eficácia em cada caso, em prejuízo das competências legais da Agência para garantir o acesso a vacinas com qualidade, segurança e eficácia em território nacional, por meio de avaliação eventual risco de doença ou agravo à saúde da população”.

Com 37 dispositivos vetados no total, a Lei 14.121/2021 está em vigor, e a parte vetada só poderá ter validade se o Congresso derrubá-la.

Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco