Pessoas sentam ao ar livre nas margens de um canal em Amsterdã, na Holanda, em 28 de abril de 2021 ( AFP / François Walschaerts)

O aumento de casos de covid-19 na Holanda não prova a ineficácia das vacinas, dizem especialistas

  • Este artigo tem mais de um ano
  • Publicado em 18 de novembro de 2021 às 16:11
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Uma publicação com mais de 680 interações, que circula desde 4 de novembro de 2021, questiona o progresso da vacinação contra a covid-19 na Holanda e o impacto na diminuição de casos. Mas, segundo órgãos oficiais e especialistas consultados pela AFP, o avanço do SARS-CoV-2 no país pode estar ligado a fatores como a flexibilização de medidas e a sazonalidade do vírus. Além disso, especialistas reiteram que o número de mortes não tem seguido o mesmo ritmo de crescimento que os números de casos.

“Vejam os gráficos da Holanda(Worldmeters):subidae descida das curvas de casos dia,não tem relação com % da população vacinada.Agora, inclusive, com 69% de vacinados, está aumentando muito o contágio!”, lê-se em um tuíte acompanhado de uma colagem com seis gráficos sobre novos casos diários de covid-19 na Holanda.

Conteúdo semelhante foi compartilhado no Facebook (1, 2).

Image
Captura de tela feita de um tuíte em 9 de novembro de 2021 ( . / )

A publicação detalha que os gráficos viralizados foram retirados do site Worldometer e mostram o número de novos casos diários nos Países Baixos de fevereiro de 2020 até novembro de 2021.

As cifras informadas na página mencionada, de acordo com a média móvel dos últimos sete dias, se aproximam dos dados disponibilizados na plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Além disso, nas imagens virais aparecem porcentagens, com números em destaque, que supostamente representam a população vacinada, mas nesse caso não têm designada a fonte correspondente. Se comparados aos dados da Universidade de Oxford, os números em destaque não correspondem à parcela da população vacinada nem com uma nem com duas doses.

A vacinação teve início no país em 6 de janeiro de 2021. Portanto, na primeira data destacada na publicação viral, 25 de dezembro de 2020, a imunização ainda não havia começado. De acordo com o Our World in Data, a porcentagem de população vacinada com duas doses em 13 de fevereiro era similar à apresentada no segundo gráfico. Nas demais datas apresentadas, 28 de junho, 18 de julho, 6 de outubro e 3 de novembro, os números reais (36,43%; 49,51%; 71,37% e 72,86%, respectivamente) são maiores do que os viralizados.

Aumento de casos

De acordo com uma publicação feita em 16 de novembro de 2021 pelo Instituto Nacional de Saúde Pública e Meio Ambiente (RIVM, na sigla em holandês), ligado ao Ministério da Saúde, Bem-Estar e Esporte dos Países Baixos, na semana de 9 a 16 de novembro, 44% mais pessoas testaram positivo para covid-19 em comparação com a semana anterior: “Os números relatados aumentaram em todas as regiões”. Na semana anterior, já havia sido registrado um crescimento de 45%.

Já a cifra de novos pacientes internados aumentou 12%, atingindo 1.390 admissões. “217 pacientes com COVID-19 foram admitidos em UTI na última semana”, completou a instituição.

Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19 do Brasil, explicou ao AFP Checamos que uma cobertura vacinal abaixo do número ideal somada à retirada de máscaras em locais fechados e à ocorrência de aglomerações seria como puxar “o cabo de guerra para o lado do vírus”.

“A Holanda e vários outros países da Europa, como a Alemanha e a Inglaterra, tiveram uma subida muito forte na segunda onda, (...) no inverno, janeiro, fevereiro de 2021, e agora vêm apresentando surtos”, disse Christovam Barcellos, pesquisador titular do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Lis/Icict) da Fiocruz.

Segundo o pesquisador, tais surtos se caracterizam pelo aumento e diminuição repentinos no número de casos. E destacou: “Nesses países tem aumentado o número de casos, mas não o número de óbitos”.

Esse movimento mencionado por Barcellos pode ser observado nos seguintes gráficos do Our World in Data que mostram que desde outubro de 2021 a curva de crescimento do número de novos casos vem apresentando um crescimento mais acentuado do que o do número de falecimentos:

Impacto da vacinação

Nesse sentido, Barcellos afirmou que “um indicador muito importante é o de letalidade”, ou seja, a proporção entre o número de infectados e de mortes. Em janeiro de 2021, a taxa de letalidade chegou a 1,23%. Já em fevereiro, esse índice atingiu seu pico: 1,71%, enquanto que em 9 de novembro o número registrado foi de 0,36%, segundo dados do Our World in Data.

“Isso está caindo muito porque o sistema de saúde está aprendendo a lidar com os casos, está com um pouco mais de folga - está com os hospitais menos lotados -, e as pessoas estão vacinadas, então muitas vezes essas pessoas vacinadas se infectam e desenvolvem a doença, mas muito leve, que é um dos objetivos da vacina”, disse o especialista, que também acompanha a evolução da pandemia em países europeus, como a Holanda.

Atualmente a Holanda aplica as vacinas da BioNTech/Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen. Até 7 de novembro de 2021, de acordo com dados oficiais do governo, 85,9% da população com mais de 12 anos estava vacinada com uma dose e 82,4%, com as duas doses.

Schrarstzhaupt concordou e reafirmou ao AFP Checamos que “a vacina é super eficaz contra óbitos e hospitalizações, e também eficaz contra casos leves”. Barcellos ainda completou:

No último 5 de novembro, o instituto holandês RIVM publicou uma análise de internações hospitalares e em UTI até 31 de outubro de 2021, segundo a qual “a vacinação covid-19 continua a ser muito eficaz na prevenção de internação hospitalar (94%) e de internação na UTI (97%), com eficácia que permanece praticamente inalterada de julho a outubro”.

Segundo o instituto, isso significa que “o risco de internação hospitalar com covid-19 é 17 vezes menor para pessoas totalmente vacinadas do que para pessoas não vacinadas. O risco de internação na UTI é 33 vezes menor”.

Reabertura e sazonalidade

De acordo com nota de 26 de outubro do RIVM, “o aumento no número de testes de covid-19 positivos parece estar relacionado ao relaxamento das medidas implementadas” em 25 de setembro, “combinado com o efeito sazonal”.

Barcellos reiterou tais fatores e afirmou: “A Holanda fez um desbloqueio muito grande, houve um relaxamento no meio do ano passado, quando passou a primeira onda, e aí veio a segunda onda”.

O relaxamento de setembro de 2021 “provocou esse surto”, segundo o pesquisador. Para ele, isso quer dizer “que os países, além de vacinar, têm que manter um monitoramento permanente para não gerar mais casos, e para isso têm que funcionar muito bem, além da vacinação, a testagem e o diagnóstico rápido”. Isso porque a “vacinação não garante a eliminação da transmissão da doença”, relembrou.

Além da reabertura, o RIVM cita o efeito sazonal do vírus. Barcellos concorda:

Portanto, afirmou o pesquisador, é provável que ocorram mais casos na Europa por conta do inverno boreal. Ele relembrou também que o evento já ocorreu nesse continente, na China e em outras regiões em 2020.

Além desses dois fatores, o pesquisador citou outra variável que pode incidir na alta recente de casos: a perda da imunidade ao longo do tempo. “Seis meses depois das primeiras doses, alguns estudos estão mostrando que é provável que caia a imunidade desses vacinados, então é preciso a terceira dose, uma dose de reforço”, disse.

Situação atual

Com o recente aumento de casos, a Holanda anunciou no último dia 2 de novembro a retomada das medidas restritivas.

Dentre as regras reintroduzidas estão o distanciamento social de 1,5 metro, expansão da obrigatoriedade do passaporte de saúde em locais públicos e incentivo ao trabalho remoto ao menos metade da semana, assim como a exigência de máscaras em locais como lojas e salões de beleza.

O uso de máscaras no transporte público já estava sendo obrigatório, exceto em estações ou plataformas.

Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco