As histórias por trás das fotos viralizadas com duas crianças esqueléticas na Venezuela
Uma publicação com fotografias que mostram duas crianças esqueléticas viralizou nas redes sociais em espanhol e português com a alegação de que teriam morrido. A equipe de checagem da AFP investigou suas histórias e constatou que, efetivamente, uma delas, o menino, faleceu em 2017; já a menina, conseguiu sobreviver.
“Extermínio por fome na Venezuela. Um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo, onde as crianças estão morrendo pela fome induzida. Este é o comunismo dos Castro! Maduro é um ditador assassino!”, diz a descrição da publicação, compartilhada mais de 27 mil vezes desde que foi postada no Facebook em português, em 20 de setembro de 2018. A publicação em espanhol foi compartilhada mais de 74 mil vezes.

Duas das três fotos viralizadas correspondem a Nancy Gómez, uma menina que hoje tem nove anos, sofreu de desnutrição, mas agora está saudável. Na terceira foto vê-se Elial Pirela, um menino de dois anos, que faleceu por desnutrição no estado de Zulia no início de setembro de 2017, de acordo com o site venezuelano de notícias Analítica.
Naquele mês, a família de Elial informou ao jornalista venezuelano Edwin Prieto que o menino havia perdido a vida. Segundo o colaborador do Analítica, a criança tinha um quadro grave de desnutrição do qual não conseguiu sobreviver no Hospital Materno Infantil Quadricentenário de Maracaibo, em Zulia.
“Alguns companheiros e eu começamos uma cobertura sobre os casos de desnutrição na região e, assim, conhecemos o caso de Elial”, explicou à AFP Prieto, que indicou que a quantidade de crianças que sofre pela falta de alimentos e remédios na Venezuela “é grave, embora o governo nacional não revele as cifras oficiais”.
Ajuda por meio das redes
A pequena Nancy Gómez, que aparece na foto olhando para a câmera e recostada em uma maca de hospital, sobreviveu à desnutrição. As imagens de Nancy começaram a viralizar em novembro de 2017, quando o jornalista Germán Dam tornou pública a sua história.
Em outubro de 2017, uma mulher chamada Thais Marín decidiu cuidar e acompanhar Nancy até a sua recuperação total, em janeiro do ano passado, depois que soube do caso da menina por meio da mensagem de Carlos Ruiz, clérigo e diretor da fundação “Me diste de comer”, em um grupo de WhatsApp de ativistas e voluntários venezuelanos.
Thais Marín contou à AFP que a mãe de Nancy trabalha com mineração no estado de Bolívar, fronteiriço com o Brasil, onde reina o caos e a violência pela extração ilegal do ouro.
No início de 2017, vizinhos de Nancy a levaram ao Hospital Pediátrico Menca de Leoni, a 175 quilômetros de onde morava, na região mineradora de El Callao.
“Encontrei-a com sondas, seus rins já não estavam funcionando bem, a menina não podia se mover nem urinar”, contou Thais Marín.
Nancy conseguiu sobreviver graças a Thais Marín, que se descreve como uma dona de casa e cidadã venezuelana comum, que começou a levar alimentos para a menina quando ainda estava doente e usou as redes sociais, principalmente o Twitter, para pedir remédios que não havia no hospital pediátrico.
“Conversando com os médicos, eles solicitavam remédios que na Venezuela não se conseguem em nenhum lugar. E começamos a pedir apoio nas redes. Da Alemanha começaram a enviar alimentos proteicos muito bons, também tivemos apoio de venezuelanos em Orlando, nos Estados Unidos, e conacionais em Bogotá, na Colômbia”, diz Thais Marín.

Devido aos resultados positivos que obteve com Nancy e ao apoio recebido do exterior, Thais criou junto com Germán Dam uma organização chamada “Venezuela con nombre de mujer”, cujo trabalho é pedir apoio pelas redes sociais e distribuir os medicamentos às crianças que precisam deles em todo o país.
Escassez de alimentos e remédios
Apesar de contar com as maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela enfrenta uma severa crise econômica marcada por uma aguda escassez de produtos, além de uma hiperinflação que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), pode chegar a 10.000.000% em 2019.
Os serviços de saúde se viram afetados pela falta de remédios, insumos e peças para os equipamentos médicos. Segundo um relatório do Parlamento, de maioria opositora, e da ONG Médicos pela Saúde, nos hospitais 79% do material cirúrgico estão faltando.
Em fevereiro de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) assinalou em um comunicado que “durante 2017 teriam falecido entre cinco e seis crianças por semana devido à falta de alimentação, e ao menos 33% da população infantil apresentaria indicadores de retardo de crescimento. Além disso, uma média de 4,5 milhões de pessoas estaria se alimentando só uma vez por dia, às vezes duas, enquanto 11,4% da população infantil já estaria em situação de desnutrição”.
No mês anterior, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertou sobre “o aumento da desnutrição infantil em meio a um crise econômica cada vez mais profunda” na Venezuela, onde “não há cifras exatas pela falta de informação oficial sobre saúde e nutrição, (e) há sinais claros de que a crise está limitando o acesso das crianças à assistência médica, e aos alimentos e remédios”.
A Anistia Internacional indicou em um comunicado de abril de 2018 que a situação “atroz” na Venezuela “converteu problemas de saúde tratáveis em uma questão de vida ou morte”, pois os serviços de saúde estão em colapso e conseguir remédios é uma “luta constante”. A organização apresentou um site chamado “Saída de emergência”, no qual publica casos de venezuelanos que buscam proteção de outros países da América.
A AFP publicou no mês passado uma reportagem sobre crianças desnutridas.
Em 23 de fevereiro, Juan Guaidó, reconhecido por mas de 50 países como presidente interino da Venezuela, anunciou a chegada de ajuda humanitária por Brasil e Colômbia, em uma ação frustrada pelo presidente Nicolás Maduro, que teria ordenado previamente que os militares protegessem as fronteiras para “evitar qualquer violação à integridade de seu território”.