Gravação mostra simulação realizada em escola na África do Sul, sem relação com o novo coronavírus

Um vídeo, visualizado mais de 400 mil vezes em diversos idiomas, circula nas redes sociais como se mostrasse pessoas contaminadas pelo novo coronavírus na China. A alegação é falsa: os jovens vistos nas imagens são estudantes sul-africanos que participavam de uma simulação escolar.
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Captura de tela feita em 7 de fevereiro mostra vídeo publicado no Facebook

“Cidade da China veja está imagem forte de pessoa com coronavírus morrendo com dor [sic], diz postagem, compartilhada mais de 900 vezes no Facebook desde 29 de janeiro.

Nas imagens, dezenas de pessoas podem ser vistas deitadas no chão, balançando as pernas e os braços. Enquanto isso, outras, vestidas de jalecos brancos, parecem inspecioná-las.

A gravação foi compartilhada milhares de vezes no Facebook em múltiplos idiomas, incluindo português, inglês, árabe, turco, e khmer, idioma oficial do Camboja.

“O vírus da China começou a se espalhar por todo o mundo. Meu Deus, o mantenha longe dos muçulmanos”, diz, em tradução livre, publicação em turco compartilhada mais de 4.500 vezes.  

No canto superior esquerdo de algumas versões da gravação é possível identificar o nome de usuário (@damiangelsenhuys) de uma conta privada do aplicativo de vídeos TikTok. 

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Captura de tela feita em 6 de fevereiro de 2020 mostra vídeo compartilhado em redes sociais

A equipe de checagem da AFP localizou o vídeo publicado no TikTok, onde soma mais de 40 milhões de visualizações e 1,5 milhão de curtidas.  

Nos comentários no aplicativo de vídeos, muitos usuários afirmam que as pessoas vistas no chão eram vítimas da atual epidemia de coronavírus, que já deixou mais de 900 mortos desde que foi detectada na China no final de 2019. Outros, por sua vez, sugerem que se tratava de atores gravando um filme.

No entanto, diversas pistas indicavam que as imagens não haviam sido feitas na China, e sim na África do Sul.

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Captura de tela feita em 7 de fevereiro de 2020 mostra comentários do vídeo publicado no TikTok

Em primeiro lugar, o nome do usuário, @damiangelsenhuys, se aproxima do sobrenome africâner Geldenhuys.

A equipe da AFP em Johanesburgo também confirmou que o idioma escutado no vídeo se assemelha ao africâner. No entanto, o ruído de fundo torna difícil identificar exatamente o que é dito.  

Outros indícios sugerem que as imagens foram gravadas em uma escola.

Respondendo a comentários que alegavam que o vídeo mostrava pessoas contaminadas pelo novo coronavírus, @damiangelsenhuys afirmou que se tratava de uma “anisiation”, provavelmente um erro de digitação da palavra “initiation”, ou iniciação em português. “Não tinham coisas ruins acontecendo”, acrescentou.  

Um outro vídeo publicado pela mesma conta mostra crianças de braços dados gritando em uníssono. Conhecida como grito de guerra, esta prática é comum em escolas da África do Sul para criar um senso de camaradagem, especialmente antes de partidas esportivas.

Para confirmar onde foi gravado o vídeo viralizado, a equipe de checagem da AFP entrou em contato com @damiangelsenhuys, mas não recebeu uma resposta.

Passamos a analisar, então, outras pistas visuais da conta de Damian no TikTok, como sua foto de perfil, na qual ele segura uma camiseta preta com uma logo de uma cobra. Também é possível identificar uma caixa com a palavra “LOWVELD” no canto esquerdo da imagem. 

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Captura de tela feita em 6 de fevereiro de 2020 mostra foto de perfil do usuário @damiangelsenhuys no Instagram

Ao pesquisar no Google pelas palavras-chave “snake” (cobra, inglês) e “lowveld”, a equipe de checagem da AFP encontrou a página no Facebook da companhia Lowveld Venom Suppliers, especializada em manejo e educação de cobras na província de Mpumalanga, na África do Sul.

Como visto na captura de tela abaixo, o logo da companhia é o mesmo visto na camiseta que aparece na foto de perfil de @damiangelsenhuys

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Comparação entre foto de perfil do usuário no TikTok (esquerda), e de logo da companhia publicado no Facebook (direita)

A AFP localizou detalhes da equipe da empresa em seu site, incluindo o gerente voluntário Andrew Geldenhuys, cujo número de celular aparece em uma publicação em sua conta no Facebook.

Contactado pela AFP, Geldenhuys confirmou ser o pai de Damian, o usuário do TikTok que publicou originalmente o vídeo. Ele disse que as imagens mostram uma simulação escolar que “não tinha nada a ver com o coronavírus”.

“É chamada de bomskok e eles devem fingir que estão no meio da detonação de uma bomba, ou de um terremoto, e devem balançar o corpo”, disse à AFP por telefone, em tradução do inglês.

Geldenhuys disse que o vídeo foi gravado por volta do dia 28 de janeiro na escola de seu filho na província de Gauteng, na África do Sul e pediu para a AFP não publicar o nome do colégio.

A AFP procurou informações sobre a escola online e confirmou que os uniformes da instituição são iguais aos usados pelos estudantes no vídeo.

Geldenhuys disse, ainda, que a família ficou surpresa com a repercussão do vídeo nas redes sociais.

“O mais engraçado é que ele me procurou antes disso e me perguntou o que eu compraria para ele se ele conseguisse 1.500 curtidas em um vídeo”, disse. “Eu compraria um celular para ele? Eu disse que não, e ainda bem, porque agora eu provavelmente estaria devendo uma Ferrari para ele!”.

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