Checamos: declarações de Petra Costa em entrevista à PBS e resposta da Secom
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 6 de fevereiro de 2020 às 00:40
- Atualizado em 6 de fevereiro de 2020 às 20:51
- 10 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
Ao programa Amanpour & Company, Petra abordou temas como a eleição do presidente Jair Bolsonaro, os índices de violência do Rio de Janeiro e posicionamentos do governo frente a grupos minoritários e ao meio ambiente. Partes da entrevista viralizaram no Twitter, onde a hashtag #PetraCostaLiar (PetraCostaMentirosa, em tradução livre) chegou a figurar entre os assuntos mais comentados.
Na última segunda-feira, 3 de fevereiro, a Secom publicou um vídeo no Twitter com trechos da entrevista, rebatendo algumas das declarações da diretora.
Nos Estados Unidos, a cineasta Petra Costa assumiu o papel de militante anti-Brasil e está difamando a imagem do País no exterior. Mas estamos aqui para mostrar a realidade. Não acredite em ficção, acredite nos fatos. pic.twitter.com/NLnf8gA87c
— SecomVc (@secomvc) February 3, 2020
Abaixo, verificamos as falas de Petra contestadas pelo órgão público e as respostas da própria Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência. As citações da diretora foram traduzidas do inglês.
Direitos de minorias
Petra Costa: “E também tem havido grande ondas evangélicas contra os direitos dos homossexuais, o feminismo, as pessoas de cor. Portanto, todos esses tipos de ideais da extrema direita têm crescido na sociedade brasileira também.
Entrevistador: E ele [o presidente Jair Bolsonaro] levanta essa bandeira?
Petra Costa: Excessivamente, sim”.
Secom: “Fake News: O governo federal não fez nenhuma ação contra direitos de minorias”
A avaliação de Petra de que existe uma onda evangélica contra os direitos de minorias vai no sentido de ações como o posicionamento da bancada evangélica no Congresso que, em junho do ano passado, repudiou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminalizar a homofobia.
Também reforça essa afirmação, o crescimento de grupos como o Movimento de Ex-Gays do Brasil, que diz ajudar “pessoas convertidas ao evangelho de Cristo, que por convicção espiritual nesse processo não mais desejam caminhar na homossexualidade”.
O mesmo acontece com declarações da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e pastora evangélica, Damares Alves, que afirmou em janeiro de 2019 que o Brasil estava entrando em uma “nova era” na qual “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Estes posicionamentos não são, contudo, unanimidade dentro da religião.
É verdade, ainda, que o presidente Jair Bolsonaro já se posicionou contra esses grupos, como afirmou a cineasta. Em 2013, quando ainda era deputado, Bolsonaro declarou em vídeo: “Eu tenho imunidade para falar que sou homofóbico sim, com muito orgulho”.
Já como presidente, Bolsonaro disse a um repórter que o questionava sobre suspeitas envolvendo um de seus filhos: “Você tem uma cara de homossexual terrível, nem por isso eu te acuso de ser homossexual”.
Em 2017, o então deputado também afirmou ter visitado um quilombo e que o “afrodescendente mais leve de lá pesava sete arrobas”, utilizando uma unidade de medida empregada para pesar bovinos e suínos. Por essa fala, chegou a ser condenado a pagar R$ 50 mil por danos morais coletivos à população negra, mas foi absolvido na segunda instância.
Em duas outras ocasiões, em 2008 e 2014, Bolsonaro também disse à deputada federal Maria do Rosário que só não a estupraria “porque ela não merecia”.
Quanto à afirmação da Secom, a equipe de checagem da AFP efetivamente não localizou registros de que o governo federal tenha revogado algum direito de minorias. Algumas ações do governo foram, no entanto, consideradas retrocessos por grupos minoritários.
Em agosto de 2019, o governo suspendeu um edital que havia selecionado séries de temas LGBT para serem exibidas em TVs públicas. A decisão foi tomada após o presidente afirmar, em um vídeo ao vivo no Facebook, que “não tem cabimento fazer um filme com esse tema” e que isso seria “dinheiro jogado fora”.
Também no ano passado, Bolsonaro transferiu a atribuição de demarcar terras indígenas da Fundação Nacional do índio (Funai) para o Ministério da Agricultura - ação posteriormente suspensa pelo STF. O presidente também assegurou que não fará demarcação de terras indígenas durante o seu governo.
Violência no Rio
Petra Costa: “Desde que ele [Bolsonaro] foi eleito, a taxa de homicídios cometidos por policiais no Rio [de Janeiro] aumentou 20%”.
Secom: “Fake News: Em 2019, o número de homicídios no país teve uma queda de 20%”.
A afirmação de Petra de que, em 2019, a taxa de homicídios cometidos por policiais no estado do Rio de Janeiro aumentou em 20% se aproxima da cifra exata, de 17,99%, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Em 2018, o número de “mortes por intervenção de agente do Estado” no Rio de Janeiro foi de 1.534, frente a 1.810 em 2019 - o balanço mais alto desde o início da série histórica, em 1998. Todos os dados podem ser encontrados em levantamento do ISP.
É verdadeira, ainda, a informação de que o número de homicídios teve uma queda de 20% no Brasil em 2019, como indicado pela Secom. No entanto, este dado não nega a informação fornecida por Petra, já que se tratam de indicadores diferentes.
Até setembro do ano passado - o último mês disponível - o número de homicídios, incluindo homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio, foi de 31.345, comparado com 39.833 (1, 2, 3) no mesmo período de 2018. A diferença, calculada com base nos dados da plataforma Sinesp, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é de aproximadamente 21,3%.
(Mauro Pimentel / AFP)
Petra Costa: “E o Rio tem mais pessoas mortas pela Polícia do que em todo os Estados Unidos. Em geral, pessoas não brancas”.
Secom: “Cabe ao governo do Estado do Rio de Janeiro responder pela ação de suas polícias. Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal reduziram o número de mortes em confronto em 2019”.
É verdadeira a asserção de Petra de que há mais pessoas mortas pela polícia do estado do Rio de Janeiro do que em todo o território dos Estados Unidos. Segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), o número de mortos por “intervenção legal” no país em 2017 - o último disponível - foi de 616.
Neste mesmo ano, segundo o ISP, foram registradas 1.118 mortes “por intervenção de agente de Estado” no Rio de Janeiro. A comparação também é verdadeira considerando o conjunto dos dados norte-americanos, disponíveis desde 1999.
De 1999 a 2017, o CDC informa que houve 8.548 mortes por “intervenção legal” nos Estados Unidos. No mesmo período, foram registradas 15.542 mortes no Rio de Janeiro.
Também é verdade que, segundo os últimos dados disponíveis, os mortos pela polícia do Rio são “pessoas não brancas”, como diz Petra. Segundo dados do ISP obtidos pelo BuzzFeed News via Lei de Acesso à Informação, no primeiro trimestre de 2019, 27,29% dos mortos pela polícia no Rio eram negros, 51,15% eram pardos e 13,07%, brancos.
É verdade, ainda, que as polícias do Rio de Janeiro são de responsabilidade do governo do estado, como afirma a Secom.
A equipe de checagem da AFP não encontrou, contudo, dados públicos que sustentem a afirmação de que a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal reduziram o número de mortes em confronto em 2019. A AFP procurou, por e-mail, a PF, a PRF e a Secom questionando a fonte destes dados, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Incentivos de Bolsonaro
Petra Costa: “E também [Bolsonaro] tem incentivado fazendeiros e madeireiros a invadir reservas indígenas, queimar e desmatar a Amazônia [...]”.
Secom: “Fake News: Para o presidente Jair Bolsonaro, qualquer invasão de terra é terrorismo”.
Sobre a afirmação de Petra, a equipe de checagem da AFP não localizou qualquer ação concreta de incentivo por parte do governo federal, ou do presidente Jair Bolsonaro, à invasão de reservas indígenas, ou à realização de queimadas à Floresta Amazônia.
No entanto, é verdade que Bolsonaro já tomou uma série de medidas que, segundo ativistas da causa e grupos indígenas, podem estimular essas ações. Em 5 de fevereiro, o presidente assinou um projeto de lei que permite a exploração econômica em terras indígenas - ação classificada como um “pesadelo” por Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Em agosto de 2019, ele também afirmou que as reservas indígenas tinham um aspecto estratégico e que “o índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional”.
Em uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook, por sua vez, Bolsonaro assinalou que tinha a intenção de integrar os povos nativos da Amazônia ao resto da sociedade, pois “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”.
Além disso, um relatório divulgado em 2019 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) mostrou que sob a gestão de Bolsonaro o número de invasões a áreas indígenas no Brasil dobrou nos nove primeiros meses do ano.
Poucos meses após os grandes incêndios que atingiram a Amazônia, o presidente foi questionado sobre como poderia reduzir esse tipo de ação e ele respondeu: “Você não vai acabar com o desmatamento nem com as queimadas. É cultural”. Comparando os dados de janeiro a setembro de 2019 com os do mesmo período de 2018, houve um aumento de 41% nos incêndios nessa região.
A Secom indicou, por sua vez, que para o presidente qualquer tipo de invasão de terra é “terrorismo”. De fato, em abril de 2019 o presidente afirmou que pretendia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei que tipificasse as invasões de terra como crimes de terrorismo. Entretanto, Bolsonaro não deixou claro se a medida incluiria ações contra áreas indígenas.
Savanização da Amazônia
Petra Costa: “O que já se tornou um ponto crítico, podendo [a Floresta Amazônica] virar uma savana a qualquer momento, o que seria uma tragédia para o mundo inteiro [...]”
Secom: “Fake News: O compromisso do governo federal com o meio ambiente já foi reforçado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em discurso na ONU” e “Fake news: A operação Verde Brasil combateu 1.835 focos de incêndio na região da Amazônia; R$ 141,9 milhões em multas aplicadas. O presidente Jair Bolsonaro determinou a criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental. O Ministério do Meio Ambiente lançou o pacto pelo ambientalismo de resultado: combate ao desmatamento ilegal na Amazônia”.
Embora existam estudos a respeito de uma possível savanização da Floresta Amazônica, como foi dito por Petra Costa, a equipe de checagem da AFP não encontrou registros de que isso pode acontecer “a qualquer momento”.
Em artigo publicado em 2018 no periódico científico PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, cientistas brasileiros e estrangeiros analisam alternativas para lidar com uma possível savanização da Floresta Amazônica, mas enfatizam que isso trata-se apenas de uma hipótese “dominada por grandes incertezas”.
Em resposta, a Secom apontou que o presidente firmou um compromisso com o meio ambiente em seu discurso na ONU, o que é verdade. Jair Bolsonaro realmente indicou que seu governo “tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo”, mas minimizou os incêndios na Amazônia, ressaltando que o clima seco, os ventos e queimadas “culturais” poderiam ter sido os responsáveis.
Além disso, a Secom indicou que a Operação Verde Brasil combateu 1.835 focos de incêndio, aplicando quase R$ 142 milhões em multas, o que pode ser confirmado no site do governo, que explica como a operação foi realizada.
Os projetos citados pela Secom foram, efetivamente, anunciados pelo presidente no final de janeiro, em seu Twitter, e pelo Ministério do Meio Ambiente, em seu site.
Edit 06/02: Acrescenta nova medida de Bolsonaro sobre exploração de terras indígenas e exemplos de declarações contra minorias