
Fala de senador dos EUA é usada para enganar sobre suposta investigação de fornecimento de urânio do Brasil ao Irã
- Publicado em 19 de junho de 2025 às 00:26
- Atualizado em 19 de junho de 2025 às 00:28
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Investigações americanas apontam que Brasil forneceu urânio para o Irã”, diz uma legenda sobreposta a um vídeo que circula no Instagram, no Facebook, no X, no Threads, no Kwai, no YouTube e no TikTok.

A alegação circula em meio a uma nova onda de ataques cruzados entre o Irã e Israel, iniciada no último dia 13 de junho com uma ofensiva israelense que mirou instalações militares e nucleares da República Islâmica.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, justificou o ataque afirmando que o Irã estaria próximo de construir a sua primeira arma nuclear — alegação que Teerã nega.
Até 18 de junho de 2025, os bombardeios mútuos deixaram ao menos 224 mortos do lado iraniano, incluindo cientistas e o chefe da Guarda Revolucionária do país, Hossein Salami, e 24 do lado israelense.
Nesse contexto, começou a circular nas redes sociais a alegação de que Netanyahu afirmou que um país ocidental havia fornecido urânio para Teerã. No entanto, não há registo público ou de fontes confiáveis sobre essa suposta declaração.
Tampouco é real que a declaração vista no vídeo viral se refira a uma investigação que apontou o Brasil como fornecedor de urânio para o Irã.
Sessão do Senado em 2023
No vídeo, o homem identificado por uma placa como “Mr. Cruz” diz estar preocupado com a “dominação” do “antiamericanismo” no hemisfério ociental. Ele, então, cita o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como um “chavista antiamericano” e afirma que o mandatário permitiu que dois navios iranianos atracassem no Brasil, mesmo com a oposição dos Estados Unidos.
Uma busca com os termos “Cruz”, “Lula” e “antiamericano” no Google levou a uma notícia do portal Poder360 de 10 de setembro de 2023, ilustrada com a mesma sequência.
O texto informa que o senador dos Estados Unidos Ted Cruz, do Partido Republicano, questionou, em 7 de setembro de 2023, o secretário de Estado Adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental Brian Nichols sobre as sanções que Washington poderia aplicar ao Brasil devido à permissão concedida para que navios iranianos atracassem no Rio de Janeiro em fevereiro daquele ano.
À época, a Marinha permitiu que as embarcações do Exército iraniano atracassem no Porto do Rio, mesmo após a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley, afirmar que o governo norte-americano era contrário à permissão.
Na sequência que ilustra a notícia do Poder360 é possível visualizar a marca d'água da C-Span 2, um serviço público de televisão a cabo que cobre a Casa Branca, o Capitólio e a política norte-americana.
Uma busca no site do canal com a data informada pelo Poder360 levou à transmissão de uma sessão da Subcomissão de Relações Exteriores do Senado para o Hemisfério Ocidental.
Na ocasião, funcionários do Departamento de Estado prestaram depoimento diante da subcomissão sobre o orçamento do ano fiscal de 2024 para os países da América Latina e do Caribe.
Segundo descrito pela C-Span, entre os tópicos discutidos esteve o “tráfico de fentanil na fronteira do México-EUA, os padrões de migração de países da América Central e as relações dos EUA com outros países do Hemisfério Ocidental”.
A declaração do senador Ted Cruz compartilhada no conteúdo viral inicia-se a partir de 1 hora, 1 minuto e 57 segundos.
Primeiro, ele cita a sua “preocupação” com países “antiamericanos” e questiona o motivo pelo qual a então administração do presidente Joe Biden não havia aplicado sanções à ex-mandatária argentina Cristina Kirchner, que teve a condenação ratificada neste mês de junho por corrupção.
Após o secretário responder às investidas do senador, Cruz então questiona sobre as possíveis sanções dos Estados Unidos ao Brasil devido ao episódio dos navios iranianos.
Em nenhum momento da sessão, que durou 1 hora e 36 minutos, o senador Ted Cruz ou qualquer outro citou uma investigação contra o Brasil por fornecimento de urânio ao Irã.
Monopólio federal sobre urânio
Como o AFP Checamos explicou em outra ocasião, o urânio é um minério considerado monopólio federal pelo inciso 23 do artigo 21º da Constituição, que prevê que a exploração, pesquisa, lavra e reprocessamento de instalações nucleares é competência da União.
No país, a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia, é a única autorizada a extrair e processar urânio.
Com a repercussão da alegação do suposto fornecimento de urânio por parte do Brasil para o uso bélico pelo Irã, o governo federal publicou uma nota, em 17 de junho de 2025, desmentindo a informação.
No texto, é reafirmado que o minério é monopólio federal e que o Brasil é signatário de diferentes tratados internacionais em que os países se comprometem a não fornecer materiais nucleares para o uso armamentista.
O Checamos já verificou outras publicações falsas ou enganosas sobre o atual conflito entre Irã e Israel (1, 2).
Esse conteúdo também foi checado pela Reuters e pelo Estadão Verifica.