Estatal chinesa comprou mineradora que não extrai urânio; minério é monopólio federal

  • Publicado em 3 de dezembro de 2024 às 19:21
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Após uma estatal chinesa comprar em 26 de novembro de 2024 a mineradora Taboca, que atua na mina da Pitinga no Amazonas, publicações nas redes sociais com mais de 400 mil interações alegam que a China adquiriu a maior reserva de urânio do Brasil. Na realidade, a mineradora está localizada em uma área próxima a uma reserva desse minério, que é monopólio federal determinado pela Constituição de 1988. A Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal brasileira, é a única que pode produzir urânio no país e confirmou à AFP que não houve venda de reserva desse metal. 

“A maior reserva de urânio do Brasil agora é 100% da China”, dizem publicações que circulam no Instagram, no Facebook, no Threads, no X, no Telegram e no TikTok

A maioria das alegações circula junto a uma foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente chinês Xi Jinping, registrada em Brasília quando os mandatários assinaram 37 acordos entre os dois países. 

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Captura de tela feita em 29 de novembro de 2024 de uma publicação no X
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A suposta cessão da reserva de urânio também foi compartilhada por políticos (1, 2) e chegou ao Congresso. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) falou em plenário sobre o que seria a compra da “maior mina de urânio no AM” e o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM) pediu a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a “venda”.  

Mas, na verdade, uma estatal chinesa comprou uma mineradora que não extrai urânio. 

Mina próxima à reserva de urânio 

Uma busca no Google com os termos “China” e “urânio” levou a uma série de notícias da imprensa nacional, publicadas em 28 de novembro de 2024, sobre a venda da mineradora Taboca, controlada pela empresa peruana Minsur S.A. (1, 2, 3, 4). 

Segundo as reportagens, a mineradora opera estanho, nióbio e tântalo na mina do Pitinga no Amazonas, localizada próximo a uma reserva de urânio, descrita como “promissora”.  Os textos ainda descrevem que a área da mina possui resíduos ricos em urânio, mas que não é possível fazer a sua separação por falta de tecnologia.  

O acordo entre a empresa chinesa China Nonferrous Trade (CNT), uma subsidiária do governo chinês, para adquirir a mineradora foi assinado em 26 de novembro de 2024 por US$ 340 milhões. 

A mineradora Taboca informou a venda de suas operações em seu site. Na aba produtos e quem somos, é descrito que a mineradora atua na extração de estanho e “nos mercados de nióbio e tântalo”. A mineração de urânio não é descrita como uma de suas operações. 

Monopólio federal 

Algumas reportagens possuem notas de correção informando que, de fato, haviam noticiado erroneamente que a compra da mineradora representaria a aquisição da maior reserva de urânio do Brasil, mas que na verdade o minério é monopólio federal. 

Assegurado pelo inciso 23 do artigo 21º da Constituição Federal de 1988, a exploração, pesquisa, lavra e reprocessamento de serviços e instalações nucleares de qualquer natureza é competência da União. 

A Carta Magna também prevê que a atividade nuclear no Brasil só pode ser feita para “fins pacíficos” desde que admitida pelo Congresso Nacional. 

Além disso, a lei nº 14.514 de 2022 dispõe que a pesquisa, lavra e comercialização de minérios nucleares é da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia. Ou seja, atualmente somente a INB tem autorização para extrair e processar urânio no país. 

Em contato com o Checamos, a INB desmentiu a venda “da maior reserva de urânio do Brasil” e reforçou que o minério só pode ser produzido pela estatal brasileira. 

O órgão ainda informou que a área que contém urânio não pode ser considerada como “a maior reserva” do país: “Reserva é a parte economicamente lavrável de um recurso mineral medido e/ou indicado, cuja viabilidade técnico-econômica da lavra tenha sido demonstrada por meio de estudos técnicos adequados. No local há somente uma estimativa de potencial de recursos ainda não comprovada”.

“Então, mesmo que, no futuro, venha a ser confirmada a possibilidade de produção de urânio no local, esta só poderá ser feita em parceria com a INB”, explica a nota enviada em 2 de dezembro de 2024.

O Ministério de Minas e Energia afirmou ao Checamos, em 3 de dezembro de 2024, que a mineradora Taboca não possui nenhuma participação do governo brasileiro e que explora estanho, nióbio e tântalo através de uma concessão de lavra: 

“O subsolo é bem da União, tendo a empresa apenas o direito de explorar os recursos minerais citados no título mineral. A exploração de qualquer outra substância não prevista no referido documento, entre elas o urânio, é expressamente proibida por lei, passível de sanções, como a caducidade do título ou até mesmo a desapropriação da mina”, informou a pasta. 

O órgão também ressaltou a exclusividade da União dos minérios nucleares e que somente a INB pode extrair urânio no país. 

Essa alegação também foi verificada por Aos Fatos.

O AFP Checamos já verificou anteriormente outra alegação sobre um suposto acordo de venda entre a China e o Brasil. 

Referências 

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