
Lula não pediu ao STF que impeça o reembolso dos afetados pela fraude do INSS; posts distorcem ADPF 1236
- Publicado em 18 de junho de 2025 às 23:47
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- Por AFP Brasil
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“Lula quer que o STF anule ações que favorecem aposentados do INSS. Não basta ter o irmão como participante no crime. Não pode devolver o dinheiro dos aposentados”, diz uma imagem que circula no Facebook. Conteúdo semelhante é compartilhado no Instagram.
O tema também foi abordado em publicações do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), com a legenda: “URGENTE! - LULA aciona o STF para impedir que vítimas do INSS recebam o dinheiro roubado”.

As publicações fazem referência à Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1236, protocolada pela AGU no STF em 12 de junho de 2025. A ação ocorre no âmbito da Operação Sem Desconto, conduzida pela Controladoria Geral da União (CGU) e pela Polícia Federal (PF) para investigar descontos não autorizados feitos por sindicatos e associações nos pagamentos de pensionistas e aposentados do INSS.
Algumas das publicações também fazem referência a José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, que é irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque, dentre os sindicatos investigados pela CGU e pela PF, está o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), do qual Frei Chico é diretor.
Mas, até o momento da publicação desta verificação, a última informação pública disponível é a de que Frei Chico não está sendo, pessoalmente, investigado na operação — como informado pelo diretor-geral da PF ao canal ICL em 25 de abril. Em 10 de junho, o AFP Checamos perguntou à PF se Frei Chico era um dos alvos da investigação, porém o órgão afirmou apenas que “não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”.
Além disso, tampouco é verdade que o governo federal tenha pedido a interferência do STF para deixar de “devolver o dinheiro dos aposentados”.
A ADPF 1236 pede que o STF impeça a devolução do dinheiro aos beneficiários do INSS?
Não. Em sua petição inicial — disponível no site do STF — a ação pede que os processos judiciais de vítimas das fraudes contra o INSS e a União sejam suspensos para que o ressarcimento dos valores descontados seja feito pela via administrativa, e não judicial.
A AGU argumenta que a existência de diversos processos sobre o mesmo tema em curso no país gera decisões judiciais conflitantes, e pede que o STF fixe um entendimento sobre o que deve ser feito. Dessa forma, até que a Suprema Corte se manifeste, a AGU pede que os processos relacionados à questão sejam suspensos.
Nesse sentido, a ADPF também pede que o STF autorize a liberação de crédito extraordinário no orçamento federal para “garantir a célere restituição dos valores indevidamente desviados das contas dos segurados do INSS”.
Em sua justificativa na ação, a AGU também alega que, segundo os termos do art. 9º da Normativa INSS nº 186/2025, “já há o dever do Poder Público em disponibilizar os valores ao segurado, corrigido pelo IPCA”, caso ele não reconheça o desconto feito em sua folha de pagamento por uma associação ou sindicato.
Essa norma estabelece que, uma vez que o segurado não reconheça um desconto realizado em sua folha de pagamento, o INSS irá notificar a associação que realizou o desconto em questão para que o valor (corrigido pelo IPCA) seja devolvido ao Instituto que, por sua vez, irá devolvê-lo ao pensionista ou aposentado. Em maio, o INSS afirmou que reembolsará R$ 292 milhões aos beneficiários, valor referente aos descontos realizados em abril.
“[A ADPF 1236] Tem dois focos: um é ter uma uniformidade, ou seja, que o Judiciário em todo o Brasil tenha uma uniformidade de entendimento sobre isso”, afirma Jane Berwanger, diretora de Atuação Judicial do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
“E o segundo ponto, ao que me parece, não é exatamente [que o governo queira deixar de pagar] o ressarcimento do valor em si, mas sim, além disso, os pedidos de danos morais”, continua.
“Digamos que a decisão do STF seja assim: todas as pessoas terão direito à restituição se comprovado que não autorizaram o desconto. Além disso, têm direito à restituição em dobro. Isso é o que vai valer para todo mundo”, exemplificou a advogada. Do mesmo modo, caso a corte decida que as vítimas têm direito somente à restituição dos valores descontados, sem nenhum tipo de indenização por danos morais, essa decisão será aplicada a todos os casos.
Esse tipo de pedido ao STF é comum?
De acordo com Berwanger, sim. Ela cita como exemplo o julgamento sobre a chamada “revisão da vida toda”, no qual a Suprema Corte precisa decidir sobre o método a ser usado para calcular a aposentadoria de quem fez contribuições de valores mais elevados ao INSS antes de 1994, ano de criação do Plano Real.
Segundo a advogada, a ideia em casos como esses é que, como o STF é a última instância jurídica, é justo que a corte tome uma decisão que tem efeito geral.
“O objetivo é que todas as pessoas sejam tratadas de forma igual”, ressalta. Dessa forma, evita-se que pessoas com casos muito semelhantes obtenham ganhos ou perdas diferentes mediante a Justiça, simplesmente por um entendimento diferente entre juízes.
“Claro que o problema é que isso muitas vezes demora muito tempo, e acaba tendo influência de questões políticas, orçamentárias etc. Mas, do ponto de vista do Direito, isso é ótimo. Porque o ideal é que todas as pessoas, nas mesmas condições, tenham o mesmo tratamento”, afirma.
Em resposta ao pedido da AGU, no dia 17 de junho, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu realizar uma audiência de conciliação entre a União, o INSS, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), marcada para o próximo dia 24 de junho.
O ministro atendeu a uma das solicitações contidas na ADPF, que suspende o prazo de prescrição dos pedidos de indenizações de aposentados e pensionistas do INSS até que a análise da ação seja concluída pelo Supremo. O prazo de prescrição refere-se à data limite para que alguém entre com uma ação judicial. Isso significa que o prazo para que as vítimas das fraudes entrem com processos na Justiça só começará a valer após a conclusão da análise por parte do Supremo.
Quanto à suspensão dos processos judiciais e à decisão a respeito do desfecho dos processos, o ministro ainda não se manifestou.