Tribunal irlandês bloqueou conta de professor por multas, não por recusa a usar pronomes neutros

Em março de 2025, um tribunal irlandês ordenou o congelamento das contas bancárias do ex-professor de ensino médio Enoch Burke devido a multas não pagas impostas a ele por violar ordens de restrição. Diante disso, mensagens visualizadas centenas de vezes nas redes sociais alegam que Burke foi penalizado financeiramente por se recusar a usar pronomes de gênero neutro com um aluno. Mas, de acordo com a decisão do tribunal irlandês, o bloqueio das contas foi determinado para obrigar Burke a pagar as multas e dissuadi-lo de continuar desrespeitando a ordem de afastamento da escola onde trabalhava.

“Enoch Burke, um professor irlandês, vai ser privado do seu salário depois de se ter recusado a utilizar os pronomes na moda para um aluno ‘transgénero’. Burke já passou 500 dias na prisão, e os tribunais irlandeses estão agora a castigá-lo ainda mais”, diz uma publicação no Facebook. Conteúdo semelhante circula no Telegram e no X e em outros idiomas, como espanhol e croata

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Captura de tela feita em 10 de abril de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

Burke não foi julgado por se opor a pronome de gênero

A AFP já verificou que Burke, ex-professor na Wilson's Hospital School, localizada em Mullingar, oeste de Dublin, tenha sido preso por “se recusar a apoiar a ideologia de gênero”.

Embora Burke tenha se recusado a usar pronomes neutros com um aluno que havia feito esse pedido, sua suspensão e subsequente demissão foram resultado de vários casos de comportamento inadequado, de acordo com a escola onde trabalhava e documentos judiciais.

De acordo com uma decisão judicial de 19 de maio de 2023, Burke foi suspenso em 22 de agosto de 2022, algumas semanas após interromper uma missa na capela da escola, fazer um discurso condenando o “transgenerismo” e confrontar a diretora do colégio. 

Apesar da suspensão, Burke continuou comparecendo ao trabalho, o que fez com que um tribunal emitisse uma ordem judicial determinando que ele não se aproximasse da escola. Posteriormente, Burke foi preso por insistir em se aproximar do local apesar da ordem de restrição. 

Após ser posto em liberdade, ele voltou a aparecer na escola, e, por isso, em janeiro de 2023, o tribunal determinou uma multa de 700 euros por cada dia em que ele continuasse a ignorar a proibição judicial de frequentar seu antigo local de trabalho.

Contas congeladas por desacato ao tribunal

Diante da recusa de Burke em cooperar e de sua contínua violação da ordem de afastamento, o juiz do caso dobrou a multa para 1.400 euros para cada dia de descumprimento, de acordo com uma decisão judicial de 21 de fevereiro de 2025.

Além disso, o tribunal emitiu uma ordem de bloqueio de contas bancárias para forçar o pagamento de multas não pagas. Apesar de ter sido demitido, Burke continua recebendo seu salário de professor enquanto aguarda a decisão sobre um recurso que apresentou.

Em 24 de fevereiro de 2025, a dívida já somava 79.100 euros em multas não pagas.

Burke insiste em afirmar que passou 513 dias na prisão por se recusar a usar o pronome “they/them” (eles/deles em inglês) para se referir a um aluno. 

Mas o tribunal rejeitou essa alegação e, no parágrafo 12 da sentença de fevereiro de 2025, declarou que o réu estava equivocado ao alegar que o caso estava relacionado às suas crenças religiosas, já que as penalidades eram devidas à sua recusa total em obedecer ao Estado de Direito.

O especialista jurídico Tom Hickey, da Universidade de Dublin, confirmou à AFP por e-mail, em 28 de março de 2025, que Burke não foi preso ou punido por suas crenças religiosas.

“É completamente enganoso afirmar que a liminar foi emitida por causa da 'rejeição da ideologia de gênero' de Burke ou da 'recusa de usar os pronomes preferidos do aluno'”, explicou Hickey. “Os tribunais irlandeses nunca consideraram o mérito dessas questões, nem sua legalidade. Essas questões não foram objeto de nenhum processo judicial na Irlanda.” 

Hickey esclareceu que a última ordem judicial foi emitida porque Burke continuou a desrespeitar a ordem anterior de ficar afastado da escola. 

“Os tribunais inicialmente adotaram a medida padrão para casos de desacato: Burke foi preso com a esperança de que cessasse seu desacato (ou seja, concordasse em ficar longe da escola)”, observou o especialista. Devido à sua persistência, o tribunal recorreu à apreensão de seus bens, comentou. 

Referências

  • Decisões judiciais sobre Enoch Burke (1, 2, 3, 4)

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