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Jornalista não disse que trechos da Bíblia contêm discurso de ódio; ela citava fala de ex-deputado
- Publicado em 18 de fevereiro de 2025 às 20:04
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“Exemplo de discurso e pessoa recrutada pela USAID para propagar mentiras e defender a censura da direita no Brasil: Repórter diz: ‘trechos da Bíblia podem ser proibidos de circular por ser considerado discurso de odio’”, diz a legenda sobreposta que circula com um vídeo no Instagram e no X.
O conteúdo também circula no Facebook, através de uma captura de tela de uma postagem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e também foi compartilhado pelo seu filho, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL).
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Na sequência vê-se a jornalista Daniela Lima, atualmente apresentadora da GloboNews e alvo frequente de desinformação (1, 2).
“Trechos da Bíblia serão proibidos de circular porque podem ser interpretados como discurso de ódio. Trechos que falam contra a população LGBTQIA+, e se você repetir na rua o que ele está querendo que você possa dizer na internet, você pode ser indiciado por homofobia, que prega a submissão da mulher ao seu marido. Oi? Século 21. Eu que pago as contas da minha casa”, diz a jornalista no trecho.
A citação à USAID, que financia ajuda humanitária em mais de 120 países, faz referência ao desmantelamento e aos ataques à agência empreendidos pelo governo norte-americano e pelo empresário Elon Musk, atual chefe do Departamento de Eficiência Governamental dos Estados Unidos (DOGE, na sigla em inglês), que chamou a entidade de “organização criminosa”.
O presidente norte-americano, Donald Trump, concordou com Musk e acusou a agência de “corrupção”, afirmando que ela deveria fechar.
Desde então, a USAID tem sido alvo de desinformação, inclusive no Brasil, onde políticos da oposição acusam a agência de interferência nas eleições presidenciais de 2022.
No entanto, o vídeo viralizado foi manipulado para levar a crer que a jornalista defende que trechos da Bíblia sejam proibidos.
Declaração de político
Uma busca no Google com as palavras-chave “Daniela Lima” e “trechos da bíblia” levou a uma publicação feita em 2 de maio de 2023, com um fragmento diferente, mas em que se vê a jornalista com a mesma roupa e no mesmo cenário. A legenda indica que o trecho havia sido retirado do programa CNN 360º de 1º de maio de 2023, quando Daniela Lima era apresentadora da emissora.
Ao procurar no canal de YouTube da CNN, foi possível encontrar a íntegra do programa desse dia.
O Comprova, projeto de verificação colaborativo do qual a AFP faz parte, identificou que o trecho em que a sequência viral foi retirada inicia-se a partir de uma hora e dois minutos.
Nesse momento, a jornalista expõe que o andamento do Projeto de Lei 230/2020, conhecido como PL da Fake News, estava sendo alvo de pressão das big techs e de parlamentares evangélicos, que são contra o projeto e estavam utilizando de conteúdos alarmantes nas redes sociais para se posicionar.
Ela diz que vai citar um político que havia repercutido o assunto e, então, inicia-se o trecho viral. O momento em que ela anuncia que a declaração mencionada era de um político foi recortado do vídeo compartilhado nas redes.
Declaração falsa de ex-deputado
A alegação de que trechos da Bíblia seriam proibidos nas redes sociais começou a circular em abril de 2023 através de publicações do então deputado Deltan Dallagnol.
Naquele momento, Dallagnol fez publicações (1, 2) afirmando que o chamado “PL das Fakes News” - projeto que trata da regulamentação das redes sociais - iria censurar a fé e convocou cristãos a impedirem a sua votação.
Mas, diferentemente do que alegou Dallagnol, a proposta não censura declarações religiosas.
Pelo contrário, o artigo 6º do texto inicial prevê que manifestações artísticas, intelectuais ou de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional ou literário não sejam restritas.
À época, o Comprova desmentiu as peças de desinformação (1, 2).
A última versão do projeto, apresentada pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) em abril de 2023, tampouco cita alguma proibição a trechos bíblicos.
Na realidade, o texto do projeto passou por modificações para deixar explícito que não há restrição de conteúdos bíblicos. O relator chegou a gravar um vídeo com o deputado Cezinha da Madureira (PSD-SP), ex-coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, para desmentir as alegações.
O PL foi engavetado em abril de 2024 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, sob o anúncio da criação de um grupo de trabalho para discutir a regulamentação das redes sociais no país.
O Checamos já verificou outras alegações relacionadas à USAID (1, 2).
Este texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do O Popular e Alma Preta. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.