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“PL das Fake News” não proíbe versículos bíblicos nas redes sociais
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 3 de maio de 2023 às 20:16
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“Atenção cristãos! Alguns versículos serão banidos das redes sociais”, diz uma imagem compartilhada no Twitter pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos - PR). A figura inclui uma lista de versículos que, supostamente, seriam “censurados” e acrescenta: “Com o dever de cuidado, o PL 2630/20, que será votado esta semana, terceriza para as redes sociais o dever de censurar”.
O conteúdo foi difundido também no Facebook, no Instagram, no TikTok e no Kwai.
O tema também foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar conteúdos vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.
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A peça de desinformação circula em meio ao debate em torno do PL 2630/2020, popularmente conhecido como “PL das Fake News”, que propõe a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.
O projeto propõe uma regulamentação das atividades de redes sociais e buscadores de pesquisa no Brasil, visando evitar a propagação de notícias falsas e de conteúdos discriminatórios, dentre outros pontos. Em 25 de abril, a Câmara aprovou a urgência da proposta.
No conteúdo viral, são listados os seguintes versículos: Colossenses 3:18; Provérbios 13:24; Efésios 5:22-24; Levítico 20:10; Levítico 20:13; Timóteo 2:12; Provérbios 23:13-14; Romanos 1:26-27; Deuteronômio 22:28-29; Coríntios 11:3 e Mateus 10:34-36.
O Projeto Comprova - iniciativa de verificação da qual o AFP Checamos faz parte - entrou em contato com a assessoria de imprensa de Dallagnol a respeito do conteúdo. Em resposta, a assessoria encaminhou um vídeo publicado no Instagram em 25 de abril de 11 minutos e 30 segundos em que Dallagnol faz um pronunciamento.
Na gravação, que tem como título “A casa caiu! Me acusaram de divulgar ‘fake news’!”, o parlamentar lê os textos bíblicos que citou no tuíte e afirma que eles poderiam ser classificados como discriminatórios às mulheres e à população LGBTQIA+ por exemplo, e, por isso, seriam moderados ou retirados do ar.
Mas buscas pelo texto original aprovado no Senado em junho de 2020 e posteriormente apresentado na Câmara dos Deputados em 2 de maio de 2023 mostram que as versões do PL 2630/2020 disponíveis para consulta pública já previam que as sanções das redes sociais não se aplicariam a conteúdo religioso.
O texto inicial que tramitou no Senado, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), afirma no parágrafo 9º que “as medidas estabelecidas no caput devem ser ser proporcionais, não discriminatórias e não implicarão em restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”.
O texto do PL enviado do Senado à Câmara previa no artigo 6º a não aplicabilidade de sanção por parte das redes sociais a conteúdo religioso: “As vedações do caput não implicarão restrição à manifestação artística, intelectual ou de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional ou literário, ou a qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal”.
Em 27 de abril, o relator da proposta na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), apresentou uma nova versão do texto que deve ser votada pelos deputados.
A nova redação proposta, assim como o texto original, não faz alusão direta e explícita à supressão ou ao impedimento de postagens de trechos bíblicos.
No texto do relator, os artigos 1º e 3º do PL, que citam o tema da religiosidade, apontam que as condicionantes previstas na lei não implicarão na restrição de conteúdos religiosos e que a legislação deverá observar “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”, respectivamente.
Além disso, a redação do PL tem referências declaradas à garantia constitucional das liberdades, incluindo a de expressão e a religiosa, mencionando o artigo 220 e o artigo 5º da Constituição Federal.
Uma pesquisa no Google por propostas que poderiam ensejar o banimento de versículos da Bíblia, usando os termos “PL” + “versículos da Bíblia”, trouxe como resultado dois projetos de lei de 2019 do deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA): o PL 2/19, que queria proibir o uso indiscriminado da palavra “Bíblia” ou da expressão “Bíblia Sagrada” em publicações impressas ou eletrônicas, e o PL 4606/2019, que proíbe “qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos”.
O primeiro projeto foi arquivado em março de 2022, enquanto o segundo aguarda apreciação pelo Senado. Nenhum deles pretende proibir a publicação de versículos bíblicos nas redes.
Diante da difusão do conteúdo viral a respeito do suposto banimento dos versículos bíblicos, o relator do projeto Orlando Silva também se pronunciou em um vídeo, publicado em 26 de abril, ao lado do deputado Cezinha da Madureira (PSD-SP), ex-coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, afirmando que “a Bíblia é intocável”. E ressaltou: “É fake news imaginar que se possa mexer com o texto sagrado”.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Plural Curitiba, do Diário do Nordeste, da Gazeta e do UOL. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.
Referências
- Vídeo publicado no Instagram de Deltan Dallagnol
- Site do Senado com texto original do PL 2630/2020
- Site da Câmara com o texto original do PL 2630/2020
- Texto inicial do PL 2630/2020
- Texto do PL 2630/2020 enviado do Senado à Câmara
- Nova versão apresentada em 27/04/2023 por Orlando Silva
- Constituição Federal
- Texto do PL 2/2019
- Texto do PL 4606/2019
- Matéria sobre pronunciamento de Orlando Silva