Médico do Sírio-Libanês não gravou áudio viral sobre quadro “gravíssimo” de Lula durante internação

  • Publicado em 17 de dezembro de 2024 às 23:01
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
No contexto da internação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em meados de dezembro de 2024, um áudio foi compartilhado milhares de vezes nas redes sociais como se tivesse sido gravado por um médico do Hospital Sírio-Libanês revelando a real condição do “quadro gravíssimo” de Lula. Mas a gravação viral foi publicada originalmente por um perfil de conteúdos inventados e o hospital afirmou não ter conhecimento do material.

“Lula e sua internação, o que estão escondendo de nós?”, diz uma das publicações que compartilham a gravação no Facebook, no Instagram e no X. Sobreposta à gravação, lê-se a mensagem: “Bomba! Escutem este áudio, estão escondendo a verdade de vc? Urgente: Lula. médico dá difícil notícia”.

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Captura de tela feita em 16 de dezembro de 2024 de uma publicação no X (.)

No áudio viral, um homem que seria um médico do Hospital Sírio-Libanês diz que “não entende até quando vão ficar falando que tá tudo bem com o presidente” e que “não tem nem o que falar para os colegas de profissão”. Em seguida, com termos médicos, ele comenta o procedimento pelo qual Lula foi submetido e afirma que “o estado do presidente é gravíssimo”

“Pra que enganar a mídia?”, pergunta o suposto médico. “Não sei a quem interessa ficar passando que o quadro clínico dele é leve, de uma atenção apenas… Não. Vou continuar acompanhando por aqui, mas nós estamos vendo que o tratamento do presidente está se transformando em algo político”.

Na madrugada de 10 de dezembro de 2024, o presidente Lula foi submetido a uma cirurgia de emergência para conter uma hemorragia intracraniana, decorrente da queda sofrida em outubro desse ano.

Segundo os médicos, todas as intervenções necessárias foram bem sucedidas e Lula se manteve estável, com uma recuperação além do esperado, como registrado nos boletins divulgados pelo Sírio-Libanês (1, 2, 3). A equipe médica também informou que o mandatário não teve sequelas.

Porém, durante o período em que o presidente esteve internado, as redes sociais foram inundadas por alegações infundadas sobre a saúde de Lula, algumas delas verificadas pelo AFP Checamos (1, 2).

Após Lula receber alta médica em 15 de dezembro, seu médico pessoal, Roberto Kalil Filho, revelou em entrevista à TV Globo que o quadro de Lula antes da cirurgia era, de fato, considerado “grave” e que “corria o risco de acontecer o pior”.

Mas o áudio viral não foi feito por um membro da equipe médica de Lula durante o período em que ele esteve internado.

Perfil de conteúdos inventados

Nas publicações viralizadas é possível identificar a marca d’água do perfil “@rod.rocha.oficial”, no TikTok, sobreposta ao vídeo. Uma consulta a essa conta identificou que ela realmente compartilhou o conteúdo em 11 de dezembro de 2024. 

Mas a legenda da postagem deixa claro que o material não é autêntico: “vídeo sem base na realidade humor ficção!”

A descrição da conta no TikTok também afirma que o perfil é dedicado a “publicar fantasias, sátiras, comédia, sem base na realidade”

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Captura de tela feita em 16 de dezembro de 2024 do perfil @rod.rocha.oficial no TikTok (.)

Procurado pela equipe de checagem do Comprova, projeto de verificação colaborativo do qual o AFP Checamos faz parte, o neurocirurgião e presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Wuilker Knoner Campos, analisou o áudio e explicou que vários termos citados na gravação nem sequer são adotados na neurocirurgia. 

De acordo com o médico, existem duas formas de se fazer qualquer procedimento intracraniano, como drenar um hematoma, por exemplo: a trepanação e a craniotomia.

No caso de Lula, segundo os boletins médicos divulgados, foi realizada a trepanação, com um pequeno furo para drenar o sangue coagulado que estava aprisionado e comprimindo o cérebro, chamado de hematoma subdural crônico. O médico destaca que essa é uma patologia muito frequente na neurocirurgia e, na maioria das vezes, simples de resolver.

O presidente ainda foi submetido a outro procedimento, a embolização de uma artéria. Kroner informou que, nesse caso, é feito um cateterismo, via artéria femoral, para depositar uma cola que vai fechar uma artéria. 

“É uma artéria que fica mais externa no cérebro, na capa do cérebro, e quando você fecha essa artéria, você impede que novos sangramentos aconteçam. Então, foi uma cirurgia preventiva para não ressangrar”, explicou.

O neurocirurgião afirmou que a maioria dos pacientes que passa por esses procedimentos não chega a um estado grave. “A grande maioria do hematoma subdural crônico, que é o problema do presidente Lula, é de pacientes que revertem o déficit que chegou. Normalmente, há uma paralisia de um lado, uma fraqueza, uma dor de cabeça, uma tontura, uma desorientação, mas quando drena, faz uma trepanação, normalmente no dia seguinte já recupera tudo”, disse.

Kroner Campos contou que isso explica a razão pela qual o presidente já estava bem, no quarto e comendo, conforme os boletins médicos que foram divulgados. “É uma minoria que fica grave e não há, necessariamente, sequela. A maioria melhora no pós-operatório de hematoma subdural crônico”.

Ao Comprova, o Hospital Sírio-Libanês afirmou não ter conhecimento da gravação compartilhada nas redes.

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal também mencionou os boletins médicos e afirmou que o conteúdo é falso. 

Este texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Estadão e da Folha de S.Paulo. O material foi adaptado pelo AFP Checamos

Referências

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