Governo não decretou uma taxa de 35% no FGTS; publicações distorcem distribuição de lucro do fundo

  • Publicado em 16 de agosto de 2024 às 22:02
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
O governo federal não criou uma taxação de 35% sobre saques feitos por trabalhadores em seu saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Mas publicações, compartilhadas mais de 14 mil vezes desde, pelo menos, 12 de agosto de 2024, alegam que o suposto tributo será cobrado sobre o saque-rescisão do fundo, que contempla trabalhadores demitidos sem justa causa. Isso é enganoso: os 35% citados referem-se à parte do lucro obtido pelo fundo que será destinada a uma reserva financeira, e não a uma tributação a pessoas físicas.

“No dia 08/08 Haddad e Lula decretou que o FGTS de todo mundo será taxado em 35% quando você é demitido da empresa e vai fazer o seu saque”, diz a mensagem que circula no TikTok, no Facebook, e no Instagram.

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Captura de tela feita em 14 de agosto de 2024 de uma publicação no TikTok (.)

A mensagem viral afirma, ainda, que valores acima de R$ 10 mil investidos em poupanças serão tributados em 23%.

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é um benefício concedido a todos os trabalhadores brasileiros formais, sob regime de trabalho CLT. O objetivo do fundo é proteger financeiramente o trabalhador em caso de demissão sem justa causa.

Dessa forma, os empregadores depositam 8% do valor do salário de seus funcionários em contas abertas em seus respectivos nomes na Caixa Econômica Federal. O FGTS é composto pelo total desses depósitos e seus recursos são usados para financiar ações de infraestrutura por estados e municípios.

Esses valores podem ser sacados pelos trabalhadores, sob determinadas condições, incluindo casos de demissão sem justa causa. Nesse cenário, o trabalhador pode realizar a modalidade de saque conhecida como saque-rescisão, citada nas publicações virais.

Uma pesquisa no Google por “fgts 35%” trouxe como resultado um texto publicado pelo site O Antagonista em 14 de agosto de 2024, intitulado: “FGTS: lucro recorde, começa a ser depositado para os trabalhadores”. O texto afirma que, em 2023, o fundo obteve o maior lucro da história, e que foi distribuído parcialmente aos trabalhadores.

“O Conselho do FGTS decidiu reservar 35% do lucro total para reforçar o patrimônio líquido do Fundo, em vez de repassar diretamente aos trabalhadores”, informa a matéria. O artigo também acrescenta que essa “reserva financeira” do fundo será usada para garantir que, em anos de menor lucro, os repasses aos trabalhadores superem a inflação, como determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 12 de junho, o Supremo decidiu que os saldos das contas dos trabalhadores vinculadas ao FGTS devem ser corrigidos aos menos pela inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como forma de evitar que o trabalhador perca poder de compra. Nos anos em que o resultado obtido pelo fundo for menor do que a inflação, o STF determina que o Conselho Curador do fundo deve realizar essa compensação.

Dessa forma, o Conselho Curador do FGTS decidiu distribuir cerca de R$ 15,2 bilhões aos trabalhadores, o que corresponde a 65% do lucro obtido pelo fundo em 2023. O restante, como citado pelo texto publicado no site O Antagonista, funcionará como reserva financeira do fundo, a ser usada em anos em que os resultados sejam inferiores à inflação. 

Essa decisão foi tomada em uma reunião extraordinária realizada pelo conselho em 8 de agosto, mesma data citada nas publicações virais.

Uma pesquisa por decretos do governo federal editados em 2024 não mostrou nenhuma medida publicada no dia 8 de agosto. Dos demais decretos publicados nesse mês, nenhum menciona o termo “FGTS” em sua ementa.

Em 13 de agosto, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal publicou um texto negando a afirmação de que o governo federal iria tributar o FGTS: “Os conteúdos maliciosos alegam que o Governo Federal teria editado um decreto fictício que tributaria os saques feitos do fundo quando da demissão de trabalhadores”.

O texto destaca que o FGTS é isento de tributação federal, como disposto pela lei 8036/1990.

Com relação à alegação das publicações envolvendo uma suposta tributação de 23% das cadernetas de poupança com mais de R$ 10 mil, o texto publicado pela Secom também afirma que esse suposto desconto “não procede”.

Atualmente, a poupança é um tipo de investimento isento de Imposto de Renda. Uma pesquisa feita no Google pelos termos “poupança 23% 10 mil” tampouco trouxe resultados compatíveis a respeito de uma tributação nesse sentido.

Consultado pelo AFP Checamos em 16 de agosto, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirmou que as possibilidades de saque do FGTS para os trabalhadores permanecem as mesmas, e que “não identifica” na reforma tributária nenhuma alteração com relação à atual isenção que trabalhadores possuem em saques do FGTS.

O AFP Checamos já verificou outras publicações a respeito de supostas novas tributações (1, 2, 3).

Referências

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