Governo Lula criou o “Cidadania Marajó” antes de revogar programa instituído por Bolsonaro

  • Publicado em 28 de fevereiro de 2024 às 19:23
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A Ilha do Marajó voltou a ser destaque nas redes sociais após a viralização de uma música que denuncia a exploração infantil no território. Diante disso, publicações com mais de 5 milhões de interações desde 22 de fevereiro de 2024 afirmam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cancelou o programa “Abrace o Marajó”, criado na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Contudo, as mensagens, que apontam negligência da atual gestão com o arquipélago, omitem que a iniciativa foi revogada após críticas e substituída por outro projeto, o “Cidadania Marajó”. 

“BOMBA Lula manda cancelar  'Programa Abrace o Marajó', criado na gestão Bolsonaro (...) Lula não está nem aí para o povo de Marajó, não está nem aí para as crianças!”, indicam os textos das publicações compartilhadas no X, no Facebook e no Instagram

Conteúdos similares também foram compartilhados por políticos (1, 2, 3), que acusam o governo atual de ter “abandonado” as crianças da região.

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Captura de tela feita em 23 de fevereiro de 2024 de uma publicação no X (.)

A alegação começou a circular após viralizar nas redes sociais um vídeo da cantora Aymeê Rocha interpretando a sua música “Evangelho dos fariseus” na semifinal do reality show Dom, voltado para artistas do universo gospel. Um trecho da música aborda a exploração infantil na Ilha do Marajó.  

Em 2010, o assunto ganhou notoriedade quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou denúncias de exploração sexual infantil no arquipélago e em outros locais. 

As denúncias repercutiram novamente após o lançamento do programa “Abrace o Marajó” em 2020, iniciativa da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e de Bolsonaro. 

Em 2022, um vídeo de Damares Alves denunciando casos de exploração infantil na ilha tornou-se viral. Essas denúncias não foram provadas e, em 2023, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública sobre as declarações, determinando que a atual senadora (Republicanos) e a União pagassem uma indenização de R$ 5 milhões para a população de Marajó por “danos sociais e morais coletivos”.

Programa substituído 

Uma busca no Google pela frase “Lula revoga Abrace o Marajó” levou a notícias (1, 2, 3) publicadas em setembro de 2023 que informam que o projeto, instituído na gestão de Bolsonaro, foi efetivamente interrompido. Mas os textos também noticiam que o governo já havia lançado, em maio daquele ano, um novo programa para a região, o “Cidadania Marajó”. 

A busca também resultou em um texto publicado no site do Palácio do Planalto em 5 de setembro de 2023 que confirma a revogação do projeto anterior, citando “fortes indícios de irregularidades” e indicadores que “não demonstram resultados positivos na região”

“Segundo relatório da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados, o programa foi utilizado para a exploração de riquezas naturais e para atender a interesses estrangeiros, sem benefício ou participação social da população local. A Comissão recebe denúncias sobre o programa desde o ano passado”, diz um trecho da publicação. 

O AFP Checamos solicitou acesso ao relatório da comissão parlamentar. O documento relata que integrantes do comitê realizaram uma visita técnica no arquipélago entre os dias 8 e 9 de dezembro de 2022, após uma discussão em que a  Rede Eclesial Pan-Amazônia (Repam) expôs os problemas que a região enfrenta.  

“Foi informada a situação de miséria de grande parte dos moradores, em uma região com altos índices de exploração sexual e violência contra crianças, adolescentes, juventude, mulheres e pessoas idosas, que o Governo Federal pretendia mudar com o seu projeto lançado em 2020, o que não aconteceu, por falta de discussão com a população e suas entidades, com propostas que não atendiam aos problemas principais da região, (...) sem conseguir o alcance efetivo dos resultados a que o programa se propunha”, diz o documento. 

O relatório elenca os problemas levantados através de diligências públicas que contaram com 150 pessoas, entre lideranças políticas e associações da região, representantes do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado, Defensoria Pública da União e institutos, como o ICMBIO e o Dom Azcona

O documento conclui com uma lista de propostas para o desenvolvimento socioeconômico da região, incluindo a revisão do programa “Abrace o Marajó” para  “garantir a efetiva participação da sociedade civil”

 

Após a repercussão sobre o assunto nas redes sociais, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) afirmou em seu perfil do X que “é falsa a informação de que o governo federal cancelou as ações, políticas e projetos voltados ao Marajó” uma vez que o novo projeto está vigente desde maio, antes da revogação do “Abrace o Marajó”. 

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, anunciou que pediu uma investigação para apurar se houve “redes de desinformação” que atuaram para espalhar “notícias falsas” sobre o arquipélago. 

Objetivos semelhantes  

Uma consulta a documentos oficiais sobre ambos os projetos destinados à Ilha do Marajó mostra que eles possuem objetivos semelhantes. 

Uma busca com os termos “programa Cidadania Marajó portaria” retornou com a portaria nº 292 de 17 de maio de 2023. O texto informa que o programa visa o “enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e promoção de direitos humanos e acesso a políticas públicas no Arquipélago de Marajó, no Estado do Pará”.

Outra busca com a frase “Abrace o Marajó decreto” levou ao documento que estabeleceu o programa em 3 de março de 2020 e descreve como um dos objetivos específicos “cooperar para a redução dos índices de violação de direitos da família, da mulher, da criança e do adolescente, do jovem”

A revogação desse programa foi publicada no decreto nº 11.682, de 4 de setembro de 2023. 

Outros conteúdos sobre a Ilha do Marajó foram verificados pelo AFP Checamos. 

Essa alegação também foi checada por Aos Fatos e pela Agência Lupa

Referências 

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