Vídeos de crianças em carro e de homem beijando menina são falsamente associados à Ilha do Marajó

  • Publicado em 26 de fevereiro de 2024 às 21:01
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Após a viralização de uma música gospel sobre exploração sexual infantil que menciona a Ilha do Marajó, no Pará, em fevereiro de 2024, publicações foram compartilhadas milhares de vezes nas redes sociais associando um vídeo de supostos casos de abuso de crianças à região. A sequência mostra uma menina sendo beijada por um homem e, em seguida, a gravação de dezenas de crianças sendo tiradas de um carro pela polícia. Mas os registros foram feitos no Uzbequistão, em 2023, e no Mato Grosso do Sul, em 2021.

“Marajó. É esse o Brasil que você quer para as nossas crianças??”, lê-se no texto sobreposto a um vídeo que circula no Instagram e no Facebook. Publicações semelhantes também são compartilhadas no Telegram, no Kwai e no TikTok.

Na sequência é possível ver duas gravações. A primeira mostra um homem em um barco com um grupo de adultos e crianças. Em certo momento, ele beija uma das meninas na boca. Já no outro registro, policiais retiram dezenas de crianças de dentro de um carro.

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Capturas de tela feitas em 23 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

As imagens são acompanhadas de um vídeo da cantora gospel Aymeê cantando a música “Evangelho de fariseus”, que fala sobre exploração sexual e cita a Ilha do Marajó. 

A canção viralizou após uma apresentação de Aymeê em um reality show gospel, em 15 de fevereiro de 2024. Desde então, influenciadores e políticos começaram a denunciar supostos casos de exploração sexual na ilha.

Contudo, as gravações virais não foram feitas no Marajó.

Caso no Mato Grosso do Sul

Por meio de uma busca reversa de imagens usando a plataforma InVid, o AFP Checamos localizou informações sobre o vídeo que mostra o grupo de pessoas no barco em uma publicação de novembro de 2021 no portal “Tempo MS News”. 

O registro, na verdade, foi feito naquele ano em Itaquiraí, no Mato Grosso do Sul. Segundo o portal de notícias g1, o vídeo teria sido publicado nas redes pela mãe da menina que aparece na filmagem. 

Na época, a Polícia Civil iniciou investigações contra o homem e a mãe. O Conselho Tutelar também foi acionado e acolheu a menina e as outras duas crianças. O homem, contudo, foi assassinado pouco tempo depois da divulgação do vídeo.

Crianças no Uzbequistão

Também por meio de busca reversa, a sequência original da outra gravação que circula nas publicações virais, e que mostra crianças saindo de um carro, foi localizada em uma publicação no YouTube de setembro de 2023. De acordo com a legenda do vídeo, que está em russo, o registro foi feito na cidade de Bukhara, no Uzbequistão, e mostra o carro de uma professora de uma creche que foi parado por carregar 25 crianças.

O caso também repercutiu na imprensa brasileira (1, 2). A educadora foi presa e admitiu que transportava as crianças regularmente porque seus pais não teriam condições de buscá-las.

Outro indício de que a gravação não foi feita no Brasil está na placa do veículo, que segue o padrão uzbeque, e não o brasileiro.

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Captura de tela feita em 26 de fevereiro de 2024 de uma publicação no YouTube (.)

Casos de abuso infantil no Marajó

Não é a primeira vez que denúncias de exploração de menores na Ilha do Marajó repercutem. Em 2010, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou casos de abuso infantil cometidos na ilha e em outras regiões do país.

A ilha voltou a ser assunto em 2020, quando a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o então presidente Jair Bolsonaro lançaram um programa de combate à exploração sexual infantil na região.

Dois anos depois, um vídeo de Damares Alves denunciando, sem provas, casos de abuso infantil na região voltou a viralizar.

Em novembro de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra Alves por propagação de fake news, afirmando que nenhuma denúncia sobre os crimes relatados por ela foi confirmada e exigindo uma indenização de R$ 5 milhões à população da ilha.

Após a recente viralização de conteúdos relacionados à região, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH) emitiu em 22 de fevereiro de 2024 uma nota sobre as ações adotadas no local por meio do Programa Cidadania Marajó, implementado em maio de 2023 com o intuito de enfrentar casos de exploração sexual de menores de idade.

“A realidade de exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada. Isso apenas serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais”, diz o comunicado.

A nota também destaca que foram investidos R$ 500 mil em dois Centros de Atendimento Integrados de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências e que as forças de segurança federais atuam na região para “desarticular redes de exploração, abuso e violência sexual”.

Este conteúdo também foi verificado pelo UOL Confere.

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