Ivermectina não tem eficácia comprovada para tratar ou prevenir dengue, dizem especialistas

“A ivermectina já demonstrou sua eficácia na redução da carga viral da dengue, de maneira dependente da dose (...). Da mesma forma, os indivíduos que recebem doses profiláticas de IVM não contrairão dengue”, diz parte do texto compartilhado  no Instagram, no Facebook e no Telegram. 

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Captura de tela feita em 16 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

A legenda ainda aponta que o medicamento possui papel imunomodulador e efeito antiviral contra vírus de RNA de fita única “contra os quais conseguiu inibir sua replicação in vitro”. O texto segue afirmando que esses efeitos foram observados “em animais de fazenda” e que, dada essa descoberta, “o efeito foi replicado em voluntários humanos, com igual sucesso”.    

Outros conteúdos também circulam nas redes sociais indicando a ivermectina como um dos tratamentos para a dengue (1, 2).    

A alegação  começou a circular nas redes sociais após uma explosão de casos de dengue no país e em meio ao início da vacinação com o imunizante QDenga. 

A ivermectina é um remédio antiparasitário conhecido por sua ação contra parasitas externos, como sarna e piolho. 

O medicamento também foi defendido como opção de tratamento e prevenção da covid-19 durante a pandemia, mas não teve sua eficácia comprovada. A alegação foi refutada por órgãos de saúde mundiais (1, 2) e em verificações publicadas pelo AFP Checamos (1, 2). 

O antiparasitário também não é eficaz para tratamento ou prevenção da dengue, como informou o Ministério da Saúde e explicaram especialistas à AFP. 

Aplicação ineficaz em humanos

Uma busca no Google pelas palavras-chave “ivermectina” e “dengue” levou a duas notas (1, 2) do Ministério da Saúde alertando se tratar de um boato o uso da ivermectina para o combate à dengue. 

“O Ministério da Saúde não reconhece qualquer protocolo que inclua o remédio para o tratamento da doença”, pontuam os textos. 

Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), ressalta que as alegações são “falaciosas” e que estudos de medicamentos in vitro ou com animais não podem ser “traduzidos” para o uso em seres humanos. Para isso, é necessário um ensaio clínico randomizado duplo cego, considerado o padrão de excelência para estudos deste tipo. 

 Segundo Melissa Falcão, infectologista integrante do Comitê de Arboviroses da SBI, um estudo na fase III não demonstrou benefício clínico da ivermectina em humanos: 

“Estudos in vitro, realizados em laboratório, demonstraram ter ação antiviral sobre a dengue, devido a sua capacidade de inibir três enzimas virais, entre elas a glicoproteína NS1, que é essencial para replicação viral e, em alguns estudos, implicada na gravidade dos casos. Apesar da depuração (eliminação) mais rápida do antígeno NS1, reduzindo sua quantidade no soro, não foi demonstrada redução na carga viral e nem benefício clínico em humanos”. 

Naime acrescenta que as concentrações do medicamento para o uso em humanos não foram verificadas: “Portanto, para dizer que uma substância tem ação antiviral ou imunomoduladores, precisa ser comprovado com seres humanos, coisa que a ivermectina não possui. Não existe nenhum estudo em seres humanos mostrando esse tipo de efeito”. 

Os especialistas ressaltam que, até o momento, não há medicamentos comprovadamente eficazes para a dengue, entendimento também pontuado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).  

“Infelizmente, neste momento no mundo, não existe uma droga que aja contra o vírus da dengue. Um antiviral para a doença é o que precisamos há muitos anos. A ivermectina não é uma droga antiviral para a dengue”, acrescenta Antônio Bandeira, infectologista e também membro do SBI.   

As bulas disponíveis para consulta sobre o medicamento no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tampouco indicam seu uso para tratamento do vírus. 

Artigo 

Algumas publicações citam como fonte um artigo publicado no site Research Gate que inclui, em inglês, as mesmas alegações das postagens virais.

Intitulado “Ivermectina na profilaxia e tratamento da dengue”, em tradução para o português, o texto não é um estudo clínico ou randomizado, mas sim um compilado de análises sobre o cenário epidemiológico da dengue e sobre outros artigos. 

Outras alegações sobre a doença já foram verificadas pelo AFP Checamos (1, 2). 

Esse conteúdo também foi verificado por Estadão Verifica e UOL Confere. 

Referências 

• Notas do Ministério da Saúde (1, 2)
• Página sobre a dengue da OMS
• Página sobre a dengue dos CDC