É falso que o vinagre de álcool funcione no combate à dengue

  • Publicado em 19 de fevereiro de 2024 às 17:05
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em meio a um forte aumento do número de casos de dengue no Brasil, o que já levou ao menos três estados a decretar situação de emergência em saúde pública, um vídeo com milhares de interações nas redes sociais desde 25 de janeiro de 2024 traz a indicação de uso de vinagre de álcool como forma de combater o mosquito. No entanto, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e especialistas consultados pela AFP afirmaram que o método viralizado não tem eficácia científica comprovada e que a ação indicada permanece sendo eliminar os focos de água parada.

“Recebi este procedimento pra inutilizar o mosquito da dengue... Quem fez, disse que em sua casa deu certo. Não ficou um mosquito vivo. [...] Bora por a mão na massa, ou melhor no vinagre de álcool”, diz uma das publicações que compartilham o vídeo no Facebook, no Instagram, no X, no TikTok, no YouTube e no Kwai.

O conteúdo também circula em espanhol.

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Captura de tela feita em 7 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

As mensagens são acompanhadas por um vídeo em que um homem mostra como o vinagre de álcool deve ser usado para supostamente prevenir a proliferação dos mosquitos da dengue: “Eu sou o presidente do Comitê da Dengue aqui de São Miguel do Iguaçu e esse ano nós [...] vamos ter epidemia, aliás já estamos em epidemia de dengue em São Miguel do Iguaçu. Aí eu queria deixar uma dica simples, fácil e barato para todos para que venham evitar a ter a dengue”.

E continua: “Você compra um vidrinho desse aqui de vinagre, custa R$ 2, R$ 2,20. Você pega esse vinagre, tem que ser um vinagre de álcool, aí você coloca em um recipiente como esse [...] Aí você pega esse recipiente e coloca no chão. Você coloca no quarto, na sala, você coloca no local onde tem mais proliferação do mosquito da dengue. Ele vai matar tanto o pernilongo da dengue quanto o pernilongo comum”.

Eficácia não comprovada

Uma busca por palavras-chave no Google com os termos “vinagre de álcool” e “mosquito da dengue” levou a publicações em diferentes datas sobre o tema (1, 2, 3). Em algumas delas é mencionada uma pesquisa da Associação Nacional das Indústrias de Vinagre (Anav), que teria sido apresentada à Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e mostrado uma suposta eficácia do produto na eliminação de larvas do mosquito.

Porém, não foi possível entrar em contato com a Sucen, uma vez que o órgão foi extinto em 2022. Além disso, uma busca por palavras-chave pela pesquisa em registros do portal da Sucen não levou a nenhum resultado.

À AFP, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou, em 16 de fevereiro de 2024, que “não há indicação ou recomendação da pasta que mostre a eficácia de qualquer tipo de vinagre no combate do mosquito Aedes aegypti”. Em nota, a secretaria disse, ainda, que o uso do produto não é recomendado nos programas nacional e estadual de combate às arboviroses, como, por exemplo, dengue, zika e chikungunya.

No site de um dos fabricantes do produto é informado que ele é indicado para uso na alimentação e não menciona a sua utilização para outros fins.

Procurados pelo AFP Checamos, especialistas também negaram que o vinagre de álcool tenha eficácia comprovada contra a dengue.

Túlio Franco, professor e diretor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse que a aplicação do vinagre de álcool não tem evidências de combate ao “mosquito da dengue, ou à larva da dengue”, e declarou que essa ideia é uma “fake news”.

O professor ressaltou as medidas que, de fato, têm eficácia comprovada e contribuem para prevenir a doença: “Eliminar toda possibilidade de água parada, pneus, latas, areia e vasos de plantas. Furar as latas que tem em casa, até tampa de garrafa tem que ser verificada. É essa limpeza do ambiente, higienização dos ambientes, e eliminar todo tipo de poça d’água, que são as medidas eficazes”.

Publicações como a do vídeo compartilhado pelos usuários, de acordo com Franco, prejudicam o enfrentamento à doença. “Pessoas que fazem esse tipo de divulgação estão criando dificuldade no sentido de combater a epidemia de dengue porque tira a população daquilo que ela necessita de maior atenção agora, que é eliminar os focos do mosquito da dengue”.

Mirian Dal Ben, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, concordou que o uso do vinagre de álcool para combater o Aedes aegypti não tem comprovação. 

À AFP, a especialista apontou que soluções caseiras para combater os mosquitos, em geral, não têm eficácia. Segundo Dal Ben, a única ação com algum tipo de evidência relativa a um poder de repelência é o óleo de citronela, mas por, no máximo, duas horas. 

“Nessa situação de epidemia de dengue, o ideal mesmo seria a gente partir para os repelentes que têm duração maior comprovada, que seriam os à base de DEET, Icaridina, IR3535, que são esses que a gente compra na farmácia, que são comprovados”, pontuou.

Para a infectologista, o melhor caminho é seguir as medidas preconizadas já conhecidas. “De fato, a gente não tem nada caseiro muito eficaz, o que temos mesmo é a ação contra os focos do mosquito e eliminar os criadouros do mosquito.”

Em contato com o AFP Checamos, o Ministério da Saúde enfatizou as medidas coletivas de prevenção à doença e recomendou somente o uso de medicamentos do manual de manejo clínico de dengue, disponível em seu site oficial.

“Reforçamos que a conduta clínica recomendada pelo ministério consta nesses documentos citados e se baseia em evidências clínicas robustas. Não é de conhecimento do Ministério da Saúde que existam outros tratamentos de dengue além daqueles recomendados pela pasta.”

A pasta acrescentou que “este é o momento de intensificar a prevenção, o cuidado e agir conjuntamente com governadores, prefeitos e toda sociedade para a eliminação dos focos do mosquito transmissor da dengue”.

Surto da doença em 2024

Desde o início do ano, o Brasil enfrenta um surto da doença, registrando, até 19 de fevereiro, mais de 555 mil casos de dengue (prováveis e confirmados) e a morte de 94 pessoas, de acordo com dados do Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde.

A alta nos casos motivou pelo menos três estados — Minas Gerais, Acre e Goiás — e o Distrito Federal a decretarem situação de emergência em saúde pública, decisão seguida também pelas prefeituras de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro no início do mês.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, disse, durante uma visita ao Brasil em fevereiro de 2024, que o surto no país faz parte de um aumento em “escala global” da doença.

O Ministério da Saúde indicou que a distribuição das vacinas Qdenga foi feita em 8 de fevereiro de 2024 para crianças de 10 e 11 anos, para, em seguida, avançar as faixas etárias. A aplicação do imunizante teve início no dia seguinte no Distrito Federal, em um ato que contou com a participação da ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Conteúdo semelhante foi verificado por UOL Confere, Agência Lupa e Fato ou Fake.

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