Plano de atentado contra Moraes não anula processos contra os envolvidos no 8/1
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- Publicado em 18 de janeiro de 2024 às 19:59
- Atualizado em 18 de janeiro de 2024 às 20:01
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- Por AFP Brasil
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“Prestem atenção, após alegação de Alexandre de Moraes, todos os processos devem ser anulados....”, diz uma das publicações com o vídeo que circulam no X, no Instagram, no Facebook, no TikTok e no Kwai.
Na gravação, Oswaldo Eustáquio, jornalista e blogueiro bolsonarista, afirma: “Todos os processos do 8 de janeiro podem se tornar nulos. Escute isso. Compartilhe e preste atenção. Depois do relato do ministro Alexandre de Moraes de que ele seria enforcado em praça pública ou que seu corpo seria jogado no meio do mato entre Brasília e Goiânia pelas forças especiais do Exército em decorrência dos acampamentos dos quartéis, Alexandre de Moraes torna-se suspeito para julgar qualquer processo e todos os atos jurídicos se tornam nulos, de acordo com o artigo 564.1 do Código Penal”.
Na sequência, ele diz: “O artigo 254 do Código Penal vai além. Se o ministro Alexandre de Moraes não assumir a suspeição, qualquer parte pode requerer, ou seja, todos os presos do 8 de janeiro podem agora requerer a suspeição e se a lei for cumprida no Brasil, todos os atos jurídicos serão nulos”.
Em 8 de janeiro de 2023, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, e promoveram ataques e depredações contra os prédios públicos. Para conter os criminosos, na mesma data foi decretada intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal (DF).
O ministro do STF Alexandre de Moraes foi o escolhido para ser o relator dos inquéritos referentes às invasões, que envolvem investigações sobre o planejamento das ações, o financiamento e os danos ao patrimônio público.
Dias antes de completar um ano dos incidentes, Moraes concedeu uma entrevista ao jornal O Globo, em que deu a declaração sobre a descoberta de um plano para matá-lo. A escolha do ministro, desde então, tem sido alvo de críticas por parte de membros da oposição ao governo Lula (1, 2).
Processos do 8/1 não se tornam nulos
Mesmo que casos de impedimento ou suspeição possam gerar anulação de atos praticados por magistrados em uma ação penal, especialistas consultados pela AFP afirmam não ser esse o caso dos julgamentos conduzidos por Moraes.
Na alegação viral, mencionam-se os artigos “564.1” e “254” do Código Penal.
O artigo 564 do Código de Processo Penal enumera os casos em que ocorrem nulidades processuais. No primeiro inciso (564.1), determina-se a anulação “por incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.
O artigo 254, por sua vez, estabelece os critérios para um julgamento isento. Entre os itens capazes de gerar a suspeição, podem ser destacados: “I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer parte do processo; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes”.
De acordo com Rodrigo de Souza, professor de direito penal da Universidade Federal Fluminense (UFF), as alegações partem de uma interpretação equivocada. Em relação ao artigo 254, ele reforça à AFP que “para a decretação da suspeição o juiz deve ser inimigo capital das partes do processo”.
Nesse sentido, o professor explica que o caso não poderia ser aplicado aos julgamentos comandados por Moraes. “O ministro Alexandre de Moraes estaria impedido de julgar apenas um caso em que se apurasse um plano para matá-lo, como aconteceu naquele episódio em que ele e a família foram ofendidos em um aeroporto, mas nunca nos feitos referentes aos fatos de 08/01”, disse Souza.
O professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Thiago Bottino concorda com o entendimento de Souza. Ele explica que o próprio Código de Processo Penal permite afastar a possibilidade de atos praticados para tentar tornar o relator suspeito ou impedido de julgar uma ação penal: “Não vejo na situação do ministro Alexandre de Moraes nenhuma dessas causas, o fato de ele ser mencionado em áudios, o fato de ele ser tratado por esses acusados de uma forma desrespeitosa, inclusive, não é motivo para que ele se declare suspeito. Na verdade, muito pelo contrário, o Código de Processo Penal proíbe expressamente que quem cria a suspeição alegue a suspeição. Você não pode criar uma causa para impedir o juiz de julgar um fato”.
De fato, de acordo com o artigo 256 do Código de Processo Penal, “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”. Assim, pontua Bottino, “mesmo que o magistrado queira, ele não pode sair da causa porque a parte está injuriando, xingando, ofendendo ele”.
Procurado pelo AFP Checamos, o STF se posicionou, por meio de nota, em 10 de janeiro de 2024: “O plenário do STF já rechaçou argumentação de suspeição do ministro Alexandre de Moraes nesse tema e validou a relatoria”.
Marcelo Crespo, professor e coordenador do curso de Direito da ESPM, pregou cautela na análise dos casos do 8 de janeiro. “A gente percebe que o discurso está muito politizado, então as avaliações acabam deixando de ser técnicas para serem partidárias”. Segundo ele, caso a tese viral fosse aceita, a suspeição atingiria todos os ministros, e não só Moraes. “Todo o Supremo, e não só o Alexandre de Moraes, foi vítima do ataque do 8 de janeiro”.
O AFP Checamos já verificou anteriormente outros conteúdos sobre os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023 (1, 2).
Referências
- Código de Processo Penal
- Perfil do professor Rodrigo de Souza, da UFF
- Perfil do professor Thiago Bottino, da FGV
- Perfil do professor Marcelo Crespo, da ESPM
18 de janeiro de 2024 Ajusta legenda da primeira foto.