Dados sobre geração de empregos em setembro de 2023 são compartilhados sem contexto

  • Publicado em 13 de novembro de 2023 às 18:22
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Publicações que afirmam que os dados de geração de empregos no Brasil em setembro de 2023 são os piores da “série histórica” para o mês omitem que a série em questão teve início em 2020. Desde 30 de outubro, quando foram divulgados os números do Novo Caged — que mede a criação de empregos formais no país —, usuários repercutem o dado associando-o a um suposto cenário de crise. Segundo especialistas ouvidos pela AFP, de fato há uma desaceleração no mercado de trabalho, mas que era esperada e está menos intensa do que o previsto.

“Crise: Brasil tem pior resultado da série histórica na geração de empregos em setembro. Foram apenas 211 mil vagas criadas, uma queda de 23,8% em relação a setembro de 2022. Fonte: Gazeta Brasil”, diz a mensagem que circula no Facebook. O conteúdo circula também no X.

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Captura de tela feita em 10 de novembro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

As mensagens citam como fonte um artigo do veículo Gazeta Brasil, apesar de não fornecerem um link para o conteúdo. A mesma manchete foi localizada também no site Terra Brasil Notícias, que já teve conteúdos verificados em outras ocasiões pelo AFP Checamos (1, 2, 3).

Logo no primeiro parágrafo, o artigo do portal explica que a série histórica citada nas publicações teve início em janeiro de 2020: “O Brasil criou 211.764 vagas formais de trabalho em setembro. Esse foi o pior resultado para o mês da série histórica, que começou em janeiro de 2020. Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego e foram divulgados nesta segunda-feira (30)”.

O número citado para o mês de setembro está correto, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. De fato, os números registrados especificamente para o mês de setembro foram maiores nos anos de 2020, 2021 e 2022 do que em 2023.

Porém, além de as publicações não fornecerem a informação de que a série histórica em questão teve início em 2020, especialistas ouvidos pela AFP discordaram que os números do novo Caged indiquem uma situação de “crise”, como citado na manchete.

Segundo os economistas, a desaceleração na geração de empregos já era prevista, e acontece mais lentamente do que o esperado. Alterações metodológicas e a pandemia da covid-19 também afetaram os resultados em anos anteriores.

Nova metodologia e pandemia

Como já explicado em verificação anterior pelo AFP Checamos, em 2020 houve uma mudança na metodologia do Caged.

Enquanto a pesquisa antiga do Caged era feita de forma opcional — ou seja, as empresas se voluntariavam para preencher as informações —, depois de 2020, o Caged passou a contabilizar também outras cifras, apresentadas pelas empresas de forma obrigatória.

Dessa forma, o Novo Caged gera resultados maiores do que a antiga metodologia, razão pela qual especialistas não recomendam comparar os dados do novo Caged (de janeiro de 2020 em diante) com os dados da metodologia antiga.

Por isso, é relevante considerar que a “série histórica” do atual Caged teve início em 2020. Paralelamente, também é preciso levar em conta o efeito da pandemia da covid-19, que teve início no mesmo ano no Brasil.

“Desde a implantação do Novo Caged, tivemos três anos muito atípicos, em decorrência da pandemia”, explicou ao AFP Checamos Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho no Ministério do Trabalho e Emprego.

“Em setembro/2020, [houve] crescimento do emprego depois de intenso movimento de desligamentos. As empresas tentaram retomar atividades, no entanto foi uma retomada curta, pelo recrudescimento da pandemia de covid-19 [que] refreou a retomada das atividades até que a vacinação fosse iniciada no primeiro trimestre de 2021”, apontou.

Em setembro de 2021, ainda segundo a subsecretária, com um percentual maior de pessoas com duas doses da vacina, houve um crescimento intenso de produção de bens para o final do ano. Já 2022 foi marcado pelas eleições.

Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, descreveu um cenário semelhante à AFP: “O Caged só olha para dados do mercado de trabalho formal. E sim, tivemos a criação de 211 mil vagas, e realmente foi um pouco abaixo do ano passado. Só que ano passado a gente tinha um outro contexto, a gente tinha muitos estímulos governamentais na economia às vésperas das eleições, o mercado de trabalho ainda estava se recuperando da pandemia da covid-19, quando perdemos bastante emprego”.

Houve “uma recuperação acima da nossa média a partir do momento que se acabou com o isolamento social, até para recompor os trabalhos que tinham sido eliminados (...). Então, essas tendências de comparação do tempo com situações em um contexto tão complicado, tão díspares, não fazem sentido nenhum”, acrescentou José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit).

Na visão do docente, ainda, o mercado de trabalho apresentou um resultado acima do esperado, o que também foi difundido por veículos de mídia (1, 2) no dia da divulgação dos dados do Caged.

“Você comparar o mês, simplesmente, para afirmar que há uma crise imensa não é verdade (...) Não dá pra acreditar, por exemplo, que em 2020 você tinha uma situação melhor do que em 2023”, pontuou.

Para Krein, os dados da economia brasileira ainda são positivos, embora exista um processo de desaceleração em curso, o que gera preocupação. Essa visão foi compartilhada também por outros especialistas ouvidos pela AFP.

Daniel Duque, pesquisador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), afirmou que, em sua análise, o mercado de trabalho formal brasileiro está em um estágio de “crescimento moderado em desaceleração — o que é totalmente esperado e normal”.

“O meu cenário é de um mercado de trabalho ainda resiliente, mas que está em curso de desaceleração há um tempo”, resumiu Bruno Imaizumi.

E continuou: “Ele reage com uma certa defasagem ao cenário econômico. Como a gente tem observado, sim, uma desaceleração econômica, o mercado de trabalho também tem reagido dessa maneira, só que essa desaceleração está ocorrendo de maneira menos intensa do que a gente estava prevendo antes, porque a economia se mostra resiliente de outras maneiras”.

Referências

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