Objeto de teorias da conspiração, o adrenocromo é derivado da adrenalina e tem usos limitados

  • Publicado em 3 de agosto de 2023 às 22:18
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Colômbia
O adrenocromo não é uma droga extraída de crianças torturadas, como compartilhado em peças de desinformação visualizadas milhares de vezes nas redes sociais desde 12 de junho de 2023. Na verdade, ela é uma substância derivada da adrenalina, hormônio que permite que os neurônios se comuniquem entre si. Segundo especialistas, apesar dele poder ser sintetizado, tem usos limitados. A narrativa sobre essa substância, que circula desde pelo menos 2018 em vários idiomas, vem de uma droga fictícia que aparece no filme “Medo e Delírio em Las Vegas”.

“O adenocromo é supostamente uma droga produzida a partir do sangue extraído de crianças torturadas e violentadas até a morte. Com pavor o organismo das crianças injeta na corrente sanguínea uma alta dosagem de adrenalina e é nesse momento que esses monstros extraem o sangue de suas vítimas.”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no TikTok, no Kwai, no Instagram e no Twitter, agora chamado X.

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Captura de tela feita em 3 de agosto de 2023 de uma publicação no Twitter ( .)

A teoria de que o adrenocromo é extraído através de uma “prática cruel e satânica” com crianças circula na internet pelo menos desde 2018 em francês e em inglês.

A substância também protagoniza uma teoria conspiratória promovida pelo QAnon, um movimento que nasceu em 2017 entre os partidários do ex-presidente Donald Trump. Seus seguidores garantem que é uma droga consumida pelas “elites globais” e advinda de crianças capturadas em redes de tráfico de pessoas.

Inclusive, dizem que aqueles que a consomem, podem se beneficiar de seus efeitos rejuvenescedores ou viver uma experiência psicodélica.

No entanto, o adrenocromo é uma molécula que se obtém a partir da oxidação da adrenalina: uma substância que faz parte da categoria dos neurotransmissores e que, portanto, permite que os neurônios se comuniquem entre si.

Neurotransmissor

O médico toxicólogo venezuelano César Rengifo explicou à AFP em 5 de junho de 2023 que a adrenalina é produzida nas glândulas suprarrenais, cujos oxidantes (as monoaminas) circulam no sangue.

Como o adrenocromo existe como parte do metabolismo da adrenalina, por ser um neurotransmissor, o organismo o “tira do caminho” ou o oxida rapidamente. Uma vez que estes mensageiros químicos se oxidam, perdem sua função.

A substância já foi usada para tratar sangramentos na pele, função exercida pela adrenalina, e como estimulante, “teve um efeito pouco duradouro”, detalhou Rengifo.

O toxicólogo clínico colombiano, Maurix Rojas, comentou que o adrenocromo é mais uma “lenda urbana” do que uma realidade. Na década de 1970, se investigou seus possíveis benefícios no tratamento da esquizofrenia, mas “não deu certo, não avançou”, disse em 2 de junho de 2023.

“Atualmente não tem utilidade. É mais como um agente usado em processos químicos na indústria, mas não para uso humano, porque a adrenalina é muito utilizada em pacientes [no pronto-socorro] com patologias cardiovasculares, que têm hipotensão, mas a partir daí, digamos, essas novas moléculas não têm efeito na farmacopeia [texto que descreve medicamentos, substâncias químicas e drogas]”, explica o especialista.

Ele destacou que, por ser de fácil obtenção e não gerar mudanças na percepção dos indivíduos, esse agente não teria nenhuma vantagem em relação a outros psicofármacos. “Esse produto existe como uma droga sintética que pode ser comprada nas lojas e tem uso muito limitado”, concordou Rengifo.

Como derivado da adrenalina, é possível que "os efeitos do [adrenocromo] sejam adrenérgicos: o coração bate rápido, você sua, etc", explicou à AFP Laurent Karila, psiquiatra francês e especialista em vícios do hospital Paul-Brousse em 2018. “Nunca ouvi falar de intoxicação por adrenocromo. É um mito", disse.

A origem do mito

O composto pode ser adquirido por meios regulares nos sites de empresas localizadas nos Estados Unidos, Canadá e China. A empresa canadense Toronto Research Chemicals vende 25 mg de adrenocromo por US$ 126, enquanto o laboratório Astatech Inc oferece a mesma quantidade por US$ 464. A substância não está listada no vademecum dos países latino-americanos.

O mito do adrenocromo vem do filme de Terry Gilliam “Medo e Delírio em Las Vegas” (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998), uma adaptação do romance de Hunter S. Thompson. Em uma cena, o personagem de Johnny Depp, Raoul, toma a substância. Seu advogado, interpretado por Benicio del Toro, diz que o adrenocromo "faz a mescalina pura [alcaloide extraída de cactos] parecer refrigerante".

No comentário da versão em DVD do filme, Gilliam explica que tudo sobre o adrenocromo que aparece na obra é totalmente fictício.

No romance, Raoul diz que “só existe uma fonte dessas coisas. As glândulas de adrenalina de um corpo humano vivo. Não dá certo se você pegar de um cadáver”, diálogo que coincide com a abordagem que é feita nas redes sociais.

Referências

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