Comparação entre gráficos de apuração no Brasil e nos EUA não prova fraude; sistemas são distintos

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  • Publicado em 4 de novembro de 2022 às 17:54
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  • Por AFP Brasil
Publicações que apontam supostas diferenças na evolução da apuração de uma eleição nos Estados Unidos e na eleição brasileira de 2022 não provam que houve fraude no pleito de outubro. Segundo as postagens, compartilhadas mais de 7 mil vezes desde o último dia 31 de outubro, a evolução linear da contagem brasileira, comparada com a mais variável dos EUA, seria suspeita. Mas o gráfico norte-americano se referia aos resultados de pesquisas eleitorais ao longo de uma campanha. Além disso, a comparação não teria validade acadêmica por equiparar sistemas eleitorais distintos, segundo especialista.

“Gráfico de uma eleição nos EUA x Gráfico de duas eleições no Brasil… no mínimo, matematicamente curioso”, afirmam publicações compartilhadas no Facebook (1, 2) e Twitter (1, 2).

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Captura de tela feita em 31 de outubro de 2022 de uma publicação do Facebook ( .)

As mensagens são acompanhadas por dois gráficos: um que supostamente mostraria a evolução da apuração das eleições de 2016 nos Estados Unidos, quando Donald Trump (republicano) derrotou Hillary Clinton (democrata), e um da evolução da contagem das eleições presidenciais brasileiras de 2022.

“Na 1a foto vemos o gráfico de uma eleição ‘normal’ onde as porcentagens dos candidatos oscilam dependendo dos locais apurados. Na 2a foto vemos o gráfico de uma eleição ‘fraudada’ onde foi aplicado um algoritmo aos resultados o transformando em uma reta”, resume uma das publicações.

Mas a comparação compartilhada nas redes não é válida.

Gráfico sobre pesquisas

Nas publicações, não há indicação da fonte dos dados sobre a eleição norte-americana. Mas uma busca reversa pelo gráfico mostrou que o mesmo havia sido publicado em agosto de 2016 pela plataforma estatística Statista.

No entanto, diferente do sugerido nas publicações virais, o site informa que o gráfico exibe a variação dos resultados de pesquisas de intenção de voto durante a campanha presidencial norte-americana de 2016 – e não a evolução da apuração em si.

A informação também consta no título (“Trump vs Clinton: um ano em pesquisas”) e subtítulo do gráfico (“Pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2016 de 13 de agosto de 2015 a 13 de agosto de 2016”), que foram cortados na versão viralizada nas redes.

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Captura de tela feita em 3 de novembro de 2022 do gráfico publicado no site Statista ( .)

O Statista informa que os dados do gráfico foram retirados do site Real Clear Politics (RCP). Uma consulta ao portal de fato exibe o mesmo gráfico reproduzido no post viral, também associado à variação de pesquisas eleitorais ao longo de um ano. No RCP, os dados são mais completos, indo até o mês de outubro, pouco antes da eleição de Trump.

Já o gráfico referente às eleições brasileiras realmente mostra a evolução da apuração no segundo turno. A mesma imagem foi publicada pelo jornal O Globo na edição de 31 de outubro de 2022.

Sistemas diferentes

Além disso, a comparação feita nas redes não mostra nenhum indício de fraude, analisa Filipe Mendonça, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).

“Não há nenhuma tendência matemática ali. Em suma, a comparação é esdrúxula e serve apenas para tentar tumultuar a eleição legítima de Lula. Veja, por exemplo, a evolução da contagem dos votos em 2018, quando Bolsonaro foi eleito. Ali as linhas são mais lineares, exatamente como foi agora na eleição de 2022”, afirmou.

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Captura de tela feita em 4 de novembro de 2022 da evolução dos votos nas eleições de 2018 produzido pelo portal g1 ( .)

A comparação não é nem mesmo válida, acrescenta Mendonça, já que o sistema norte-americano é diferente do brasileiro:

“Lá se usa diversos sistemas diferentes, a depender do estado, com técnicas de contagem diferentes. Ademais, a eleição presidencial nos Estados Unidos funciona via colégio eleitoral, onde atribui-se pesos distintos para cada estado da federação”, resumiu.

Nesse sistema, nem sempre o candidato com mais votos é o que vence as eleições. Por exemplo, no próprio pleito de 2016, Donald Trump saiu vitorioso, mas Hillary Clinton teve quase 3 milhões de votos a mais que o então candidato republicano.

Essa disparidade acontece porque a eleição para presidente nos Estados Unidos é indireta. Cada estado elege um número determinado de membros do Colégio Eleitoral, que representa proporcionalmente a população do país. No entanto, na maior parte dos estados, o candidato que obtém a maioria dos votos populares acaba levando todos os votos correspondentes daquele Colégio Eleitoral.

Por isso, para vencer a corrida eleitoral dos EUA é melhor que o candidato ganhe em muitos estados, mesmo que com uma margem pequena, do que em poucos com uma vantagem expressiva. Foi o que aconteceu no pleito de 2016, quando Trump saiu vitorioso: embora a sua adversária tenha recebido mais votos populares, ela só venceu em 20 estados e na capital federal, o que representou 228 votos.

Já Trump obteve maior número de votos em 29 estados, totalizando 290 votos no Colégio Eleitoral. Para vencer, um candidato à Presidência deve obter a maioria absoluta dos votos do Colégio: 270.

Esse sistema interfere até na representação gráfica dos resultados, que é diferente da que circula nas redes atualmente, aponta Mendonça.

Enquanto nos Estados Unidos se usa um gráfico “atribuindo uma cor a cada estado, azul para democrata e vermelho para republicano [...], o Brasil usa sistema único de votação, concentrada no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Usamos urnas eletrônicas com sistema próprio de transferência de dados, sem passar pela internet, além de funcionar na lógica do sistema majoritário clássico”.

A representação citada pode ser vista na infografia abaixo do pleito eleitoral entre Joe Biden e Donald Trump em 2020:

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