A ONU não promove a fome mundial; o artigo que fala dos seus “benefícios” é uma crítica

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  • Publicado em 9 de agosto de 2022 às 21:19
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP México, AFP Brasil
Publicações compartilhadas mais de 4 mil vezes desde 7 de julho de 2022 afirmam que um artigo publicado em 2008 em uma revista da ONU prova que o organismo fomenta a pobreza e a fome no mundo. No entanto, a revista explicou que o texto “nunca foi pensado para ser entendido literalmente” e esclareceu que apagou-o devido às “suas falhas”. Além disso, o autor do texto disse à AFP que o artigo não tinha a intenção de incentivar a fome e a pobreza, mas funcionar como uma advertência sobre as pessoas que se beneficiam delas e que resistem a pôr fim a essas mazelas.

“É Bom ESTAR COM FOME (!!!!), de acordo com os planejadores centrais”, diz uma das publicações que citam o artigo. Outras (1, 2) compartilham capturas de tela do texto publicado na UN Chronicle, afirmando: “No editorial , a ONU elogia os ‘benefícios da fome no mundo’”.

Publicações similares circulam no Twitter (1, 2), Instagram, e também em outros idiomas, como espanhol, inglês, francês e alemão

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Captura de tela feita em 8 de agosto de 2022 de uma publicação no Facebook ( . / )

O artigo intitulado “Os benefícios da fome mundial” foi publicado em 2008 na versão impressa da revista UN Chronicle e escrito pelo então professor de Ciências Políticas da Universidade do Havaí George Kent

No texto, Kent diz que o mundo desenvolvido precisa entender o que causa e sustenta a fome persistente no mundo: “A fome tem um grande valor positivo para muitas pessoas. De fato, é fundamental para o funcionamento da economia mundial”

“Para aqueles de nós que estamos no extremo superior da escala social, acabar com a fome a nível mundial seria um desastre. (...) Não é de se estranhar que as pessoas com mais privilégios não se apressem para resolver o problema. Para muitos de nós, a fome não é um problema, senão algo positivo”, conclui o texto. 

O artigo tinha passado quase despercebido durante 14 anos até que, em 6 de julho de 2022, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU publicou em suas redes sociais, em inglês, a mais recente edição de seu relatório: “O estado de segurança alimentar e a nutrição no mundo”. 

No texto, o PMA informou que o número de pessoas afetadas pela fome a nível mundial havia aumentado para 828 milhões em 2021, e advertiu que “o mundo está se afastando cada vez mais de seu objetivo de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição em todas as formas até 2030”. 

O artigo não era uma apologia à fome mundial 

Por meio de sua conta no Twitter, a UN Chronicle disse em 6 de julho de 2022 que havia retirado do ar o artigo de Kent e detalhou que este nunca teve a intenção de ser interpretado de maneira literal. “Fomos informados de suas falhas, inclusive como uma sátira, e retiramos o texto do nosso site”, agregou. 

Consultado pela AFP, George Kent negou que o artigo que escreveu tinha o intuito de ser uma sátira. 

“Não estava tentando ser engraçado. Não lembro de nenhuma menção à sátira quando enviei o artigo nem em nenhum outro momento desde então”, afirmou à AFP em 2 de agosto de 2022. 

Kent disse que o artigo tinha a intenção de explicar que, para algumas pessoas, é interessante manter a fome em grandes setores da população. 

“É importante ver como a fome e a pobreza beneficiam a quem não tem fome nem é pobre. Meu artigo de 2008 pretendia chamar a atenção para esse tema”, explicou. 

Ele reiterou que o objetivo era pedir que se reconheça o fato de que algumas pessoas podem resistir aos esforços para acabar com a fome porque se beneficiam dela. 

O acadêmico escreveu dezenas de artigos e livros (1, 2, 3) sobre os esforços para combater a fome e a pobreza no mundo. 

Como parte da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, a ONU tem objetivos bem estabelecidos para “pôr fim à fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e as pessoas em situação vulnerável, incluindo as lactantes, a uma alimentação saudável, nutritiva e suficiente”

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