Cientistas asseguram que a Terra não está girando mais rápido, e sim freando; futuramente, inclusive, o dia será milissegundos mais longo

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  • Publicado em 20 de dezembro de 2019 às 16:28
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  • Por AFP México, AFP Brasil
Uma afirmação compartilhada ao menos desde 2009 nas redes sociais assegura que a Terra está girando mais rápido devido a um fenômeno conhecido como “ressonância Schumann”, que faz com que atualmente o dia seja mais curto e percebido com 16 horas. Entretanto, isto é falso, pois a Nasa e cientistas afirmam que a rotação do planeta está em processo de desaceleração há milhões de anos e, futuramente, isso fará com que o dia seja ligeiramente mais longo.

“Você está sentindo a aceleração ? O dia já não tem 24 horas, e sim 16 … A Mudança da Idade Já Começou! O físico alemão W.O. Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por um campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera, cerca de 100km acima de nós. Esse campo possui uma ressonância (dai chamar-se ressonância Schumann), mais ou menos constante, da ordem de 7,83 pulsações por segundo”, assinala uma publicação de 19 de junho deste ano, que leva a um artigo on-line.

Essa afirmação circula desde 2009 em vídeos e nas redes sociais, e foi compartilhada mais de 75 mil vezes em espanhol.

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Captura de tela feita em 19 de dezembro de 2019 mostra vídeo viralizado no Facebook

Os vídeos trazem a seguinte informação: “Ocorre que a partir dos anos 80, e de forma mais acentuada a partir dos anos 90, a freqüência passou de 7,83 para 11 e para 13 hertz. O coração da Terra disparou. Coincidentemente, desequilíbrios ecológicos se fizeram sentir: perturbações climáticas, maior atividade dos vulcões, crescimento de tensões e conflitos no mundo e aumento geral de comportamentos desviantes nas pessoas, entre outros. Devido à aceleração geral, a jornada de 24 horas, na verdade, é somente de 16 horas. Portanto, a percepção de que tudo está passando rápido demais não é ilusória,mas teria base real nesse transtorno da ressonância Schumann.

Ressonância Schumann

De acordo com a agência espacial norte-americana Nasa, a ressonância Schumann pouco tem a ver com a rotação da Terra. Este fenômeno é um eco de ondas eletromagnéticas, geradas por tempestades elétricas em todo o planeta, que se replicam entre a superfície e a ionosfera. As ondas se propagam por esse espaço e criam um pulso que é mensurável e constante.

A ressonância Schumann foi percebida pela primeira vez em 1952 por Winfried Otto Schumann, professor da Universidade Técnica de Munique, e medida nos anos 1960. A Nasa explica que a variação “nas ressonâncias muda de estação, atividade solar, atividade do campo magnético da Terra e outros fenômenos relacionados à Terra”.

A biografía de Winfried Otto Schumann, publicada na revista especializada Radio Science, indica que o cientista alemão nasceu em 1888 e morreu em 1974. Esta informação não coincide, por sua vez, com os anos que, segundo o vídeo,  teriam sido estudados pelo cientista e durante os quais teria sido observada a mudança na velocidade da Terra: de 1980 até 1986.

Desaceleração da Terra

A especialista Ana María Soler, doutora em Geofísica e professora da Faculdade de Ciências da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), declarou à AFP que “a rotação da Terra é o mesmo que uma pessoa voltar, em referência a um ponto que leva em conta, como o Sol ou as estrelas, à mesma posição depois de dar uma volta completa. Isso dá 23 horas, 54 minutos e 4 segundos aproximadamente, e são relógios atômicos que fornecem esta medição. O que se vê, e é um processo normal da formação da Terra, é que ele está freando. Ou seja, os dias estão se tornando mais longos, não mais curtos”.

Após ver o vídeo viralizado em espanhol, com alegações semelhantes às do português, a especialista em Física do Interior da Terra assegurou que não existe relação entre a ressonância Schumann e a rotação do planeta, e que o narrador “mistura conceitos que não têm relação, e inclui o campo magnético da Terra [...] Mas a duração do dia é uma medida muito particular e, na verdade, o que se veria com muita precisão, é que ele não está acelerando, e sim freando, embora isso não vá ser percebido até muitos milhares, ou milhões de anos depois”.

Além disso, apontou - o que também é afirmado pela Nasa - que no primeiro período de vida na Terra, há bilhões de anos, os dias duravam somente seis horas.

“Podemos usar relógios atômicos extremamente precisos para medir exatamente o quanto a velocidade da rotação está diminuindo. Dentro de 100 anos, um dia terá dois milissegundos a mais do que hoje em dia. Dois milissegundos significa 1/500 de um segundo, ou aproximadamente o tempo que um automóvel viajando a 88 km/h demora para se deslocar cinco centímetros”, detalha a Nasa.

O Serviço Internacional de Rotação da Terra e Sistemas de Referência (IERS, pela sigla em inglês) também mede as irregularidades na rotação do planeta. As variações neste movimento giratório são “causadas pelo par gravitacional exercido pela Lua, o Sol e os planetas, os deslocamentos de matéria em diferentes partes do planeta e os mecanismos de excitação”. No entanto, estes afetam a rotação da Terra de forma mínima.

Por que algumas pessoas acham que os dias estão mais curtos?

Embora possa parecer que um dia tem 16 horas, isso não se deve à rotação da Terra, mas a como os seres humanos percebem o tempo enquanto envelhecem. Assim indica um estudo do professor Adrian Bejan, da Universidade de Duke, publicado em março de 2019 na revista acadêmica European Review.

Bejan explica que o “tempo do relógio” mensurável não é o mesmo tempo que os seres humanos percebem diariamente. “O tempo da mente é uma construção de imagens, sensações ou momentos que diminuem a sua velocidade com a idade, devido a várias características físicas que se transformam enquanto envelhecemos, como a velocidade ocular, o tamanho corporal e outras mudanças de percepção que fazem parecer que o tempo flui mais rápido”, afirma o autor no resumo de seu trabalho.

A respeito, Jim Stone, doutor em Filosofia pela Universidade de Washington e colaborador da revista de divulgação científica Psychology Today, reconhece várias teorias nas quais percebemos que o tempo está passando mais rápido.

A primeira se baseia na proposição de 1877 de Pierre Janet, que diz que o tempo parece acelerar à medida que envelhecemos, porque cada nova experiência é uma fração menor do que a duração de nossas próprias vidas. “Quando você tem cinco anos, um ano representa 20% da sua vida. Quando você tem 50, são míseros 2%”. Outra teoria é que quando somos jovens tudo é novo e armazenamos as recordações de maneira prolongada.

Uma terceira explicação, publicada em 2016 nos arquivos de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, em São Paulo, assinala que o tempo que passamos fazendo uma tarefa e a diminuição de dopamina enquanto envelhecemos definem a forma como percebemos a sua velocidade.

Em resumo, a Terra não gira de maneira mais rápida devido à ressonância Schumann. Ao contrário, ela está freando muito lentamente e isso é medido com precisão por organizações científicas no mundo. Além disso, o dia não dura 16 horas, mas 23 horas, 54 minutos e 4 segundos, aproximadamente. Finalmente, a percepção de que os dias são mais curtos é psicológica e pode depender de muitos fatores.

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