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Publicação sobre supostos dados da economia do Chile mistura informações falsas e verdadeiras
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 18 de julho de 2019 às 21:55
- 8 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“O exemplo do Chile” é um texto sobre a economia chilena (1, 2, 3, 4 e 5) que circula nas redes sociais. O registro mais antigo encontrado deste texto data de 7 de abril de 2019. Desde então, ele vem sendo compartilhado no Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp.
O texto mistura informações verdadeiras e falsas para concluir que os bons índices apresentados têm relação com uma “quase extinção dos socialistas” e contaram com a ajuda do atual ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes.
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Algumas das publicações afirmam que “os socialistas quase foram extintos” no Chile, contudo, o Partido Socialista (PS) chileno continua sendo relevante na política local. O PS elegeu 19 deputados nas eleições de 2018 e é atualmente o terceiro partido com mais representação na Câmara de Deputados. A sigla governou o Chile entre 2000 e 2010 com Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, e entre 2014 e 2018, novamente com Bachelet.
É verdade que o salário mínimo do Chile é de 301 mil pesos chilenos (R$ 1.662,00 em cotação em 16 de julho). Isso pode ser conferido no site da Dirección del Trabajo, um órgão ligado ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social do Chile que fiscaliza questões trabalhistas.
O texto viralizado usa, ainda, informações falsas sobre a Previdência no Chile. Afirma, por exemplo, que o sistema de capitalização, no qual cada beneficiário financia a própria aposentadoria, é “aprovado por maioria da população [sic]”. A realidade é justamente oposta. Uma pesquisa feita em junho pelo instituto Cadem mostrou que 88% da população concorda com a necessidade de uma reforma no sistema de capitalização gerido pelos fundos de pensão.
Em outra pesquisa local, publicada em maio pelo Centro de Estudos Públicos, sobre os três problemas que o governo deveria se esforçar mais para resolver, o sistema de aposentadorias foi o segundo mais mencionado, ficando atrás somente da segurança.
Também é falso que a aposentadoria tem como menor valor o salário mínimo. Segundo um estudo da Fundação Sol, organização dedicada a questões trabalhistas, em março de 2019, metade dos 708 mil aposentados que receberam uma aposentadoria por idade obtiveram menos de 151 mil pesos — equivalente a R$ 834,00.
Das pessoas que contribuíram entre 30 e 35 anos, 50% receberam uma aposentadoria inferior a 293.300 pesos —equivalente a R$ 1.620,00. Esses valores são inferiores ao salário mínimo do Chile.
Os beneficiários do sistema de Administradoras de Fundos de Pensões que completarem 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens) têm direito a pedir aposentadoria por idade. A poupança previdenciária é feita por meio de contribuições ou depósitos em uma conta das administradoras de um montante equivalente a 10% da remuneração ou renda tributável do trabalhador.
É falso, também, que pessoas físicas não pagam imposto de renda no Chile. De acordo com informações do Serviço de Impostos Internos (SII) e da Secretaria Geral de Governo, toda pessoa física com rendimento anual igual ou superior a 7.833.186 pesos (R$ 43.275,00) precisa fazer a declaração. Também é o caso de quem recebeu pagamentos de mais de um empregador, de mais de uma pensão, ou de um empregador e uma pensão, entre outros casos.
Também não é verdade que o Chile tenha um “imposto único”. De fato há um Imposto sobre Vendas e Serviços, o IVA, com uma alíquota de 19%, mas o site do Serviço de Impostos Internos mostra que há vários impostos diretos e indiretos no país.
É igualmente falso dizer que o Chile tem apenas quatro empresas estatais. Há dezenas delas, como mostra o site da Direção de Orçamentos do Governo do Chile. Apenas no setor de transportes portuários constam 10 empresas, todas estatais.
É verdade, no entanto, que não há um 13º salário no Chile. O que existe é um benefício chamado “Aguinaldo”, cujo pagamento não é obrigatório para empresas privadas.
No setor público ele é garantido pela Lei 20.313, que estabelece o direito ao bônus para todos os funcionários públicos e aposentados do Estado. Como mostra o site Tusalario, conectado à fundação holandesa WageIndicator e dedicado a dar transparência a questões laborais, o Aguinaldo é pago em setembro e dezembro, com o objetivo de celebrar as Festas Pátrias e o Natal.
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(Martin Bernetti)
O texto diz que o Chile tem deflação, com índices entre 0% e -1%. A informação é enganosa pois, ainda que em dois meses de 2019 o país, de fato, não tenha tido inflação (fevereiro e junho), em todos os outros meses do ano foram registrados índices positivos, que variaram de 0,1% em janeiro a 0,6% em maio. Este gráfico do Instituto Nacional de Estatísticas do Chile mostra isso.
Além disso, o último ano em que o Chile teve inflação anual negativa foi 2009. A inflação acumulada nos últimos 12 meses, até junho de 2019, foi de 2,3%.
É verdade que há no Chile a possibilidade de abrir uma empresa em apenas um dia. O procedimento é explicado no site Chile Atiende, que detalha os serviços prestados pelo Estado. Essa modalidade requer o preenchimento de um formulário eletrônico e o envio da assinatura digital do solicitante.
Também é verdade que os chilenos não precisam de visto para entrar nos Estados Unidos. O Chile é o único país latino-americano no Programa de Isenção de Vistos norte-americano. De qualquer forma, ainda é necessária uma permissão prévia, que checa se o solicitante tem antecedente criminal e episódios de deportação.
Porém o texto é enganoso quando afirma que “o governo enxuto” do Chile tem como consequência uma cobrança de “imposto baixo”. A afirmação de que a cobrança de impostos é baixa é verdadeira se analisarmos a relação da arrecadação de impostos com o PIB (Produto Interno Bruto), como é feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com seus países-membros.
No Chile, os impostos representam 20,2% do PIB, índice que só não é menor que o do México (16,2%) na pesquisa. Mas a apuração não encontrou evidências de que isso seja consequência de um “governo enxuto”. A estrutura de ministérios do Chile, por exemplo, é parecida com a do Brasil atualmente (são 24 ministérios lá e 22 no Brasil).
A postagem diz, ainda, que o mercado imobiliário é forte, o que impulsiona a Construção Civil. Mas a venda de imóveis no país sofreu um forte impacto em 2016, segundo a Câmara Chilena da Construção, e vem se recuperando nos últimos anos.
A queda nas vendas naquele ano alcançou 35% em relação a 2015, de acordo com boletim da entidade. Mesmo com o crescimento nos investimentos de até 6,4% previsto neste ano, a ocupação na Construção Civil tem crescido em ritmo mais lento. Entre abril de 2018 e abril de 2019, o aumento de vagas foi de 1% (695.326 em 2018 e 721.782 em 2019). Logo, é enganoso dizer que o setor imobiliário tem impulsionado a Construção Civil.
Não é verdade que o ensino médio e o ensino superior são exclusivamente privados no Chile. O país possui escolas de ensino médio públicas. Até recentemente, elas eram administradas pelos municípios. Esse sistema foi alterado em 24 de novembro de 2017, com a publicação da Lei nº 21.040, que determinou a criação de um novo serviço dependente do Ministério da Educação para administrar as escolas públicas.
O Chile também tem universidades públicas, mas diferentemente do que ocorre no Brasil, os estudantes pagam uma anuidade durante a graduação. O Estado tem, no entanto, programas que garantem a gratuidade para cidadãos de faixas econômicas mais baixas. Recentemente, o modelo de educação chileno foi alvo de protestos estudantis, que exigiam o perdão das dívidas universitárias e a extensão da gratuidade a todos os alunos.
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Por fim, o texto também é falso ao afirmar que o atual ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, “ajudou a construir o ambiente fiscal” do Chile na década de 1980, “a convite do governo chileno”. Segundo reportagens publicadas entre 2018 e 2019 por diferentes veículos da imprensa (BBC Brasil, El País Brasil, revista piauí e a revista chilena Capital), Paulo Guedes morou no Chile nos anos 1980, mas atuou como pesquisador e professor, e não no governo do país.
Guedes trabalhou na Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile a convite de Jorge Selume Zaror, ex-diretor de Orçamento da ditadura comandada por Augusto Pinochet. Em entrevista ao El País Brasil, publicada em 9 de outubro de 2018, o próprio Paulo Guedes não fala de nenhuma atuação no governo chileno. Na ocasião, o atual ministro disse que recebeu “um convite de tempo integral na Universidade do Chile”, onde ficou por seis meses.
No perfil de Guedes publicado pela revista piauí em setembro de 2018, o ministro também confirmou que deu aulas na Universidade do Chile nos anos 1980, mas rechaçou qualquer associação de sua atuação com o governo ditatorial da época.
Em resumo, o texto viralizado mistura informações falsas e verdadeiras a fim de induzir o leitor a uma conclusão equivocada a respeito da economia chilena.
Esta investigação foi realizada com apoio do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da AFP, revista piauí, Poder360, Correio do Povo, Band.com.br, BandNews FM, Metro Jornal e UOL.