A protea-real é a flor nacional da África do Sul e, uma vez madura, floresce a cada ano
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- Publicado em 4 de setembro de 2020 às 21:44
- 4 minutos de leitura
- Por Bruno SCELZA, AFP Uruguai
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“Flor do Himalaia, floresce a cada 400 anos, é lindo …”, “E a flor MahaMeru do Himalaia que só da flor a cada 400 anos. Nossa geração tem o privilégio de poder vê-la. Mande para os outros também se alegrarem com ela” e “Esta é a planta Mahameru (Arya) do Himalaia que só dá flor a cada 400 anos. Nossa geração tem o privilégio de poder vê-la. Mande para os outros também se alegrarem com ela”, são algumas das legendas das postagens compartilhadas no Facebook (1, 2, 3) ao menos desde setembro de 2019.
Esta imagem da planta branca junto com a afirmação de que se trata de uma flor do Himalaia também circulou no Instagram e no Twitter (1, 2), assim como em outros idiomas, como espanhol e inglês.
Captura de tela feita em 4 de setembro de 2020 de uma publicação no Facebook
Uma busca reversa pela imagem mostrou entre os principais resultados uma publicação escrita em chinês, com data de 5 de junho de 2017, no site Pixnet. Ao usar o tradutor do Google pode-se ler o nome “Protea cynaroides” e a informação de que a planta é encontrada na África do Sul.
Uma pesquisa por esse nome no Google levou a uma página na Wikipedia, em inglês, na qual é mencionada a Protea cynaroides, também chamada de “Protea-real”, que é o “símbolo do Projeto Atlas Protea”, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Botânica da África do Sul.
Ao acessar o site Projeto Atlas Protea é possível encontrar várias fotos de plantas pertencentes a este gênero e um artigo intitulado “Atlas Protea: fase 2”, assinado por Tony Rebelo, cientista do Instituto de Botânica da África do Sul e especialista nestas plantas.
A equipe de checagem da AFP entrou em contato com Rebelo, que, por e-mail, assinalou que a flor da fotografia é, de fato, a “Protea-real - Protea cynaroides, a flor nacional da África do Sul”.
Rebelo, que pesquisou a preservação de áreas protegidas da Região Floral do Cabo, explicou que “este gênero se limita à África” e, especificamente, à Região Floral.
De qualquer forma, “é cultivada no mundo todo” e é “muito provável” que existam cultivos no Himalaia, apontou. Apesar de “ser cultivada com fins comerciais, não é um grande produtor de flores cortadas [para uso decorativo]”.
Gastón Salvo, engenheiro agrônomo do Jardim Botânico de Montevidéu, assinalou à AFP que a foto viralizada “mostra a flor antes da sua abertura, momento no qual se parece com a flor de alcachofra”.
Florescimento
Consultado pela AFP sobre o ciclo de florescimento desta planta, Rebelo assinalou que a Protea-real tem uma vegetação arbustiva do tipo “fynbos”, devido ao fato de no Cabo Floral chover apenas no inverno e os incêndios serem frequentes.
Nessa região, a cada 15 anos, aproximadamente, ocorrem incêndios. Depois da passagem do fogo, as plantas começam a florescer. “Demora cerca de cinco anos para alcançar o seu ponto máximo e depois da floração desacelera até o próximo incêndio”, explicou o especialista.
As plantas com flores costumam ter “ciclos reprodutivos rápidos”, afirmou à AFP o engenheiro agrônomo Mauricio Bonifacino, professor de Botânica e Recursos Fitogenéticos na Faculdade de Agronomia da Universidade da República, no Uruguai, e pesquisador do Programa de Desenvolvimento de Ciências Básicas (Pedeciba).
As proteas cynaroides, especificamente, “florescem todos os anos” depois que começam a fazê-lo, e “a floração dura algumas semanas”, explicou.
“São plantas que evoluíram em áreas que sofrem incêndios frequentes. Desenvolveram mecanismos para sobreviver, como ter caules subterrâneos que lhes permitam brotar uma vez após o incêndio, ou acumular sementes em partes aéreas e deixá-las cair tardiamente” para evitar “que as sementes sejam queimadas no solo”, continuou o especialista uruguaio.
Ele acrescentou que “o incêndio em si não favorece o florescimento, a planta simplesmente conseguiu lidar”.
Na página do Instituto de Botânica sul-africano indica-se que as proteas cynaroides se adaptam “para sobreviver aos incêndios por seu grosso caule subterrâneo”, que em seu interior “contêm muitos brotos inativos” que crescem após a passagem do fogo.
Torcedor fantasiado da planta Protea assiste jogo da seleção da África do Sul na Copa do Mundo de rúgbi 7, na Cidade do Cabo, 10 de dezembro de 2017
Também indica que “é provável que as plantas vivam até 400 anos, mas para isso terão florescido durante 25 ciclos”. Bonifacino, por sua vez, assinalou que embora não conheça a “sua longevidade exata”, são “plantas perenes” que podem viver “vários anos, ou várias décadas”.
Ao buscar imagens da protea-real na rede social especializada em naturalismo iNaturalist, são encontradas várias de plantas semelhantes à da publicação viralizada, inclusive algumas tiradas, ou classificadas, por Rebelo (1, 2, 3, 4).
Flores a cada 400 anos?
Bonifacino indicou à equipe de checagem da AFP que no Himalaia existe uma “flora diversa”, com “milhares de plantas com flores”. Contudo, “não existe nenhuma planta com flor no mundo cujo ciclo de floração seja de 400 anos, nem nada próximo a isso”.
Sobre os ciclos de florescimento, Héctor Manuel Hernández, pesquisador botânico do Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) já havia feito uma afirmação semelhante em uma verificação anterior feita pela AFP, em espanhol: “Até onde eu sei, nenhuma planta do mundo floresce em ciclos tão longos (400 anos)”.
Em resumo, é falso que a fotografia corresponda à “flor do Himalaia que floresce a cada 400 anos”. Na verdade, a imagem viralizada mostra uma protea-real, a flor nacional da África do Sul, cujo ciclo é consideravelmente mais curto.