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É falso que o voto impresso seja lei no Brasil
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 20 de julho de 2021 às 23:06
- Atualizado em 30 de maio de 2022 às 23:04
- 7 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“O voto deverá ser impresso, por determinação do então Presidente Fernando Henrique Cardoso”, diz uma das publicações no Facebook. “O VOTO IMPRESSO É LEI DESDE 2002. VOCÊ SABIA?”, alega outro usuário na plataforma.
Mensagens similares circulam também no Instagram e no Twitter.
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Algumas das mensagens são acompanhadas de uma imagem da Lei Nº 10.408, de janeiro de 2002, com destaque para o quarto parágrafo da legislação, no qual estabelece-se que “a urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto”. As postagens trazem também a pergunta: “Alguém pode explicar porque esta lei não foi e não é cumprida?”.
As publicações, compartilhadas desde 2021, são, no entanto, falsas.
O trecho destacado nas publicações virais sobre a impressão do voto da Lei 10.408, de 10 de janeiro de 2002, foi modificado pela Lei 10.740, de 1º de outubro de 2003, que determinou: “A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor”.
Ambas as leis modificam a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como “Lei das Eleições”. No quarto parágrafo do artigo 59, que regula o sistema eletrônico de votação, a redação válida atualmente é a determinada pela Lei nº 10.740, que estabeleceu o registro eletrônico do voto.
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O voto impresso em 2002 e as falhas
Após a promulgação da Lei nº 10.408 em 2002, o voto impresso foi testado em 150 municípios naquele mesmo ano para verificar a viabilidade de utilização do modelo nas eleições municipais de 2004.
Segundo o relatório do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições de 2002, é indicado na página 20 que “a experiência demonstrou vários inconvenientes na utilização do denominado módulo impressor externo. Sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas”.
Dentre as questões mencionadas no texto estavam um maior tamanho de filas, maior número de votos nulos e brancos, maior percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas apenas no módulo impressor.
“Houve incidência de casos de enredamento de papel, possivelmente devido a umidade e dificuldades de manutenção do módulo impressor, seu armazenamento em espaços que já eram poucos para acomodar as urnas, quantidade adicional de lacres, que é grande, além de outros pertinentes ao custo do transporte”, continua o documento na página seguinte.
O relatório também apontou que, no Rio de Janeiro, por exemplo, observou-se que cerca de 60% dos eleitores não examinaram o espelho do voto na impressora.
Um mês após o segundo turno das eleições de 2002, uma reunião conjunta do Colégio de Presidentes e do Colégio de Corregedores da Justiça Eleitoral em Florianópolis decidiu pela eliminação do voto impresso. A medida foi oficializada em outubro de 2003, com a sanção da Lei nº 10.740 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O voto impresso no Congresso e no STF
O voto impresso chegou a ser aprovado pelo Congresso Nacional em outras duas ocasiões após 2002. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, em ambos os casos, as legislações em questão seriam inconstitucionais.
A primeira ocasião foi em 2009, com a Lei 12.034, aprovada pelo Congresso Nacional e também sancionada pelo então presidente Lula em 29 de setembro daquele ano.
De acordo com o artigo 5º da lei, a urna eletrônica exibiria na tela os votos digitais e, após a confirmação, imprimiria um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital. A legislação seria implantada a partir de 2014.
Porém, em 2013, o plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 5º por entender que a legislação em questão poderia ferir o direito fundamental ao voto secreto, garantido na Constituição.
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Já em 2015, o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.165, que fez parte do que ficou conhecido como “minirreforma eleitoral”. O artigo 12 dizia: “Até a primeira eleição geral subsequente à aprovação desta Lei, será implantado o processo de votação eletrônica com impressão do registro do voto”.
O artigo em questão foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff (2011-2016), mas o Senado derrubou o veto presidencial e manteve a impressão do voto. Assim, a lei foi promulgada em novembro de 2015.
Em junho de 2018, no entanto, o STF suspendeu liminarmente a obrigatoriedade de impressão do voto nas eleições gerais de 2018. Em 2020, de forma unânime, o plenário da Corte declarou inconstitucional o dispositivo da minirreforma eleitoral que previa a impressão do voto eletrônico, por entender que o texto colocava em risco o sigilo e a liberdade do voto.
Em 2021, o Congresso Nacional voltou a discutir o tema do voto impresso, sob o formato de uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 135/2019. A proposta, no entanto, não atingiu o mínimo de 308 votos favoráveis necessários na Câmara dos Deputados e foi arquivada em agosto daquele ano.
Após a derrota do texto na Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que o assunto não voltaria a ser discutido pelo Senado.
Registro digital do voto e auditorias na urna eletrônica
O voto impresso voltou a ser discutido no Brasil diante de questionamentos ao sistema atual de votação eletrônica feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Sem apresentar provas, o chefe do Executivo já afirmou diversas vezes que houve fraude no processo eleitoral brasileiro e chegou a dizer que, caso não fosse adotado o voto impresso, não ocorreriam eleições em 2022.
No entanto, desde que a urna eletrônica começou a ser usada, em 1996, nunca houve comprovação de fraude nas eleições brasileiras. Segundo o TSE, a urna eletrônica dispõe de diversos mecanismos de auditoria e verificação dos resultados.
O tribunal afirma que o registro digital, por exemplo, possibilita a recuperação dos votos para recontagem eletrônica a qualquer momento. Esse registro, segundo a Corte, “consiste na inserção, de forma aleatória, do voto de cada eleitor, assinado digitalmente pela urna eletrônica, em uma tabela de tamanho igual à da quantidade de eleitores da seção eleitoral”. A assinatura digital de cada voto é baseada em sistemas de criptografia e não há possibilidade de identificar o eleitor.
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Outro procedimento de segurança que pode ser acompanhado pelo eleitor é a chamada Cerimônia de Votação Paralela, na qual são sorteadas urnas que já estavam instaladas nos locais de votação. Essas urnas são submetidas à votação em uma cerimônia pública nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro, em paralelo, dos votos depositados na urna eletrônica em uma cédula de papel. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, é feita a apuração das cédulas de papel e comparado o resultado com o boletim de urna, para garantir que o que foi registrado no equipamento eletrônico corresponde aos votos nele inseridos, explica o TSE.
Apesar de não imprimirem os registros de cada voto, as urnas eletrônicas emitem os chamados boletins de urna, que são comprovantes físicos que contêm a quantidade de votos para cada candidato e outras informações da seção eleitoral. Este documento é afixado em local visível da seção eleitoral para que eleitores e partidos possam fotografar ou escanear o QR Code. Todos os boletins de urna também são disponibilizados on-line pelo TSE em até três dias após a eleição.
Em agosto de 2021, o então presidente do TSE, ministro Roberto Barroso, anunciou medidas adicionais com o objetivo de trazer mais transparência ao processo eleitoral em preparação às eleições de 2022. Dentre as novidades, estão a abertura dos códigos-fonte das urnas aos partidos um ano antes da eleição e também a criação de uma comissão externa com membros da sociedade civil para fiscalizar o funcionamento do sistema eleitoral.
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30 de maio de 2022 Acrescenta viralização e informações nos parágrafos 21, 22 e 28.