Esta briga não envolve o presidente da Guiné-Bissau mas universitários, anos antes da pandemia
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 25 de setembro de 2020 às 21:26
- 4 minutos de leitura
- Por Monique NGO MAYAG
- Tradução e adaptação AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Presidente de Guiné Bissau espanca o Ministro da Saúde em pleno público por desvio de fundos para a luta contra a COVID-19”, dizem publicações compartilhadas mais de 5 mil vezes no Facebook (1, 2), Twitter e YouTube ao menos desde 18 de setembro.
As imagens circulam com alegação semelhante em espanhol, francês e inglês, mas nesse caso o presidente seria da Guiné.
Captura de tela feita em 23 de setembro de 2020 de uma publicação no Facebook
Nem Guiné, nem Guiné-Bissau
Uma primeira busca reversa pelas imagens do vídeo no Google e Yandex não levou a qualquer resultado.
No entanto, o correspondente da AFP na Guiné, Carol Valade, indicou à equipe de checagem da AFP que o vídeo não foi gravado no país, como asseguram as publicações em alguns idiomas.
“As placas aqui são vermelhas (as padrão), verdes (as oficiais), pretas (militares) ou azuis (temporárias), brancas e vermelhas (empresas públicas), mas nunca totalmente brancas”, afirmou.
Por outro lado, “na Guiné Equatorial, as placas padrão são brancas”, acrescentou.
Nos veículos que aparecem no vídeo, o formato das placas é de duas letras, três números e uma letra, o que coincide com um dos modelos utilizados na Guiné Equatorial, como pode ser visto neste blog que reúne placas de automóveis de todo o mundo.
Captura de tela do vídeo compartilhado no Facebook, com destaque para o formato da placa de um dos automóveis
De fato, o correspondente da AFP na Guiné Equatorial, Samuel Obiang, confirmou que o vídeo foi gravado em Malabo, a capital do país, localizada a mais de 2 mil quilômetros da Guiné e a mais de 3 mil da Guiné-Bissau.
“A cena foi gravada exatamente no pátio da Universidade Nacional da Guiné Equatorial (UNGE), que fica em frente ao Hotel Tropicana, cujo telhado pode ser visto no vídeo”, detalhou Obiang.
Uma busca no YouTube pelas palavras-chave “Universidade Nacional da Guiné Equatorial UNGE” levou a um vídeo de 2015 de uma greve estudantil no local. Na gravação é possível identificar os mesmos lugares e objetos presentes no vídeo viral.
Como pode ser visto na comparação abaixo, coincidem um poste, um estabelecimento com telhado azul, um portão, placas e uma árvore.
Captura de tela feita em 17 de setembro de 2020 da publicação no Facebook
Captura de tela feita em 17 de setembro de 2020 do vídeo publicado no YouTube
A equipe de checagem da AFP também localizou no YouTube uma versão mais longa do vídeo viralizado na qual se vê, antes da briga, uma estátua. A mesma estátua pode ser vista nesta fotografia, publicada no site da UNGE.
Um estudante agride seu professor
Vários ex-alunos da universidade explicaram à AFP que os protagonistas do vídeo, gravado anos atrás, eram um estudante e um de seus professores.
“Filiberto Monayong, chefe do departamento de Filologia Hispânica e Ciências da Informação da Universidade Nacional da Guiné Equatorial (UNGE), é quem recebe os socos de um estudante de jornalismo”, disse à AFP Leopoldo Eneme, ex-estudante da UNGE e hoje jornalista.
Tal departamento existia na UNGE no ano letivo de 2015-2016, segundo este documento da universidade.
“O aluno já havia apresentado duas vezes sua tese e não havia conseguido a nota necessária, se irritando com [o professor] Monayong”, contou Mariano Nguema, ex-aluno da UNGE e agora professor assistente.
“O assunto gerou polêmica e o reitor convocou ambos para saber o que estava acontecendo. Muito irritado, o estudante dirigiu palavras duras também contra o reitor. Enquanto isso, o professor estava do lado de fora. Quando o estudante saiu da sala de reuniões e encontrou o professor no pátio da universidade, começou a agredi-lo”, disse Nguema, que afirmou que a briga aconteceu em março de 2016.
No Facebook e LinkedIn encontram-se os perfis de Filiberto Monayong, identificado como responsável do Departamento de Comunicação da UNGE. Contactado pela AFP por meio destes perfis, Monayong não respondeu até a publicação deste artigo.
Uma busca no YouTube com a informação fornecida pelos ex-alunos corrobora suas versões. Esta versão mais antiga do vídeo publicada em 2018, por exemplo, é intitulada: “Batem em Filiberto monayon professor da unge”.
Nesta gravação, é possível ver o agressor se distanciar, saindo do campo de visão da câmera, e voltar para tentar agredir outra pessoa.
Em resumo, as imagens viralizadas mostram uma briga entre um estudante de uma universidade da Guiné Equatorial e seu professor, em um incidente que não tem qualquer relação com o governo da Guiné-Bissau, ou da Guiné, nem com a pandemia de covid-19.