
"Copresidenta" e “Casa da Janja”: decreto de Lula que prevê apoio de seu gabinete à primeira-dama gera desinformação
- Publicado em 16 de outubro de 2025 às 23:01
- 3 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
Em agosto de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto que prevê o apoio do gabinete pessoal da Presidência aos cônjuges dos chefes do Executivo. Desde que a medida foi noticiada em outubro, publicações nas redes sociais com mais de 700 mil interações alegam que ela transforma a primeira-dama, Rosângela da Silva, em “copresidenta” e que um gabinete com 189 cargos foi criado para atendê-la. Mas a norma coloca à disposição de Janja serviços de um gabinete já existente sem equiparar funções, como disse um especialista e a assessoria de comunicação da Presidência à AFP.
“Lula baixa decreto que transforma Janja em ‘Copresidenta’ com acesso a 189 funcionários pagos pelo contribuinte”, lê-se em uma imagem que circula no Telegram, no X, no Instagram, no Facebook e no TikTok.
Outros conteúdos alegam que “Lula cria a ‘Casa da Janja’ com ‘189 cargos” (1, 2, 3, 4).
As alegações também foram compartilhadas por políticos da oposição em suas redes sociais (1, 2, 3).

As publicações fazem referência a uma norma assinada por Lula em agosto de 2025 e divulgada no início de outubro pela imprensa nacional (1, 2, 3).
O decreto em questão, nº 12.604, reorganiza o gabinete pessoal da Presidência da República e determina que o órgão deve apoiar também os cônjuges dos mandatários, quando estes estiverem em atividades de interesse público.
A medida repercutiu nas redes sociais, enquanto políticos da oposição ao governo apresentaram projetos para derrubá-la com a justificativa de que o texto ampliaria os poderes da primeira-dama.
No entanto, não é correto afirmar que o decreto transforma Janja em “copresidente” e que ele cria um gabinete com 189 cargos.
A normativa assinada por Lula altera o Anexo I do decreto 11.400 de 2023, que aprova a estrutura regimental do gabinete pessoal e da assessoria especial do presidente.
O gabinete pessoal é responsável pela coordenação de agenda do presidente, pelo cerimonial, pelas correspondências pessoais e pelos pronunciamentos, além de administrar a conservação do acervo artístico e cultural da Presidência, a preservação de palácios e residências oficiais e administrar assuntos pessoais do presidente.
Com o decreto de agosto, o Anexo I passou a determinar que essa estrutura já existente do gabinete deve também “apoiar o cônjuge de Presidente da República no exercício das atividades de interesse público”.
Não há citações à criação de um cargo ou atribuições para os cônjuges. Tampouco são feitas menções à criação de novo gabinete ou à contratação de novas pessoas para atendê-los.
“Como a primeira-dama exerce funções em nome da Presidência, parece natural que ela tenha auxílio do gabinete para isso”, afirmou Daniel Capecchi, professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao ressaltar que o decreto não representa uma violação legal ou constitucional.
A atuação dos cônjuges de presidentes não é especificada na Constituição Federal, mas, em abril de 2025, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou uma Orientação Normativa nesse sentido, após críticas à atuação de Janja no governo.
De acordo com o órgão, o cônjuge ou a cônjuge exerce um “papel representativo simbólico em nome do Presidente da República de caráter social, cultural, cerimonial, político e/ou diplomático”. A atuação deve ser voluntária, não remunerada e sem assumir compromissos formais em nome do Estado.
A normativa também prevê que o apoio estatal ao cônjuge deve estar ligado ao interesse público.
Em nota enviada ao Checamos em 15 de outubro de 2025, a assessoria da Presidência afirmou que o decreto consolida o parecer da AGU e reiterou que ele não equipara atribuições do presidente à primeira-dama.
“Tal apoio estatal segue as determinações da legislação vigente, incluindo-se o princípio da transparência, já que todos os gastos efetivados pela Administração Pública, relacionados a essa atuação, são públicos e podem ser consultados no Portal da Transparência. Registre-se, por fim, que não houve mudança no quadro de servidores, portanto, não houve aumento de despesas”, diz o comunicado.
Como explica Capecchi, a participação da primeira-dama em agendas e na representação da Presidência não configura exercício do poder administrativo, sendo uma prática comum e tradicional não só no Brasil, como em outros países.
“Quanto à criação de ‘poderes oficiais’ ou de um cargo formal para a primeira-dama, isso não seria possível por decreto, já que tal medida implicaria criação de função pública e atribuição de competências, o que depende de lei em sentido formal”, finalizou o professor.
Esses conteúdos também foram verificados por Estadão Verifica e Aos Fatos.