Lei de Bento Gonçalves combate fraudes no Bolsa Família; programa não impede beneficiário de trabalhar

  • Publicado em 13 de outubro de 2025 às 22:00
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  • Por AFP Brasil
Em janeiro de 2025, Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, sancionou uma lei que estabelece penalidades para cidadãos que tenham apresentado dados falsos para acessar o Bolsa Família. O prefeito da cidade também declarou que a Prefeitura estava cortando do programa “quem tem saúde e poderia trabalhar”. Desde então, publicações com mais de 1,3 milhões de visualizações nas redes sociais alegam que a lei aprovada no município prevê o corte de beneficiários que se recusem a trabalhar. Mas não há nenhum dispositivo do tipo no texto, somente sanções para aqueles que fraudarem dados cadastrais.

Prefeito de São Bento criou uma lei que oferece empregos para beneficiários do Bolsa Família. O beneficiário que recusar trabalhar terá seu benefício cortado”, lê-se em uma imagem que circula no Instagram, no Facebook, no Threads e no TikTok.

Apesar das publicações relacionarem a suposta lei ao prefeito de São Bento, a imagem usada é do prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira (PSDB).

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Captura de tela feita em 9 de outubro de 2025 de uma publicação no Instagram (.)

Em março de 2025, Siqueira conversou com a CNN sobre uma lei de seu município que estabelece uma multa de R$ 7,2 mil para pessoas que falsificarem dados para acessar o Bolsa Família. Na ocasião, o prefeito afirmou que a Prefeitura estava realizando ações de “busca ativa” por beneficiários para ofertar emprego e declarou que “quem tem saúde e poderia trabalhar” estava tendo o benefício cortado.

Contudo, a lei citada não prevê corte de beneficiários que recusem ofertas de emprego. 

O que diz a lei municipal

A Lei Municipal N° 7.126, de janeiro de 2025, prevê sanções a quem tenha apresentado dados falsos para acessar o Bolsa Família. Entre as penalidades estão: corte imediato do pagamento, aplicação de multa no valor de R$ 7,2 mil e inclusão no programa municipal de orientação para regularização e inserção no mercado de trabalho formal. 

Mas o texto não determina, em nenhum momento, que beneficiários que se recusarem a trabalhar serão cortados do programa.

Em janeiro deste ano, a Defensoria Pública da União (DPU) solicitou que a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e a Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul analisassem a lei de Bento Gonçalves. Segundo a DPU, o texto ultrapassa a competência legislativa do município ao criar regras para o programa federal.

Atualmente, o decreto federal nº 12.064, de junho de 2024, estabelece que o beneficiário “que dolosamente prestar informação falsa perante o CadÚnico” deverá ressarcir os valores recebidos à União. Além disso, o fraudador só pode voltar ao programa um ano após o ressarcimento ou ficará impedido por cinco anos, se não quitar o valor. Não há previsão de multa.

Emprego não cancela o benefício

Não há impedimentos para que beneficiários do Bolsa Família tenham emprego formal ou outras formas de renda. O governo federal apenas determina que a renda mensal seja de até R$ 218 por pessoa.

Procurada pelo AFP Checamos, a assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) informou que o programa tem uma Regra de Proteção, que permite que as famílias continuem recebendo o benefício mesmo quando algum de seus integrantes consegue um emprego formal e a renda aumenta de forma temporária, com o objetivo de garantir uma “transição gradual e estável”. 

Prefeituras podem cancelar o benefício?

O Bolsa Família utiliza informações do Cadastro Único (CadÚnico), que é administrado pelas Prefeituras. Em julho de 2025, o MDS publicou um guia de orientações sobre o CadÚnico, que indica que o combate às fraudes é feito em conjunto com governos estaduais e municipais.

O documento recomenda que, em casos de suspeita de fraudes, os municípios devem abrir um processo de verificação. Se comprovada, o cadastro é excluído e um relatório deve ser enviado à Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (Sagicad).

O MDS ressaltou ao Checamos, entretanto, que as Prefeituras e os governos estaduais “não possuem autonomia para cancelar, bloquear ou suspender benefícios do Programa com base em regras próprias”. 

O ministério destacou também que a regulamentação do programa é de competência exclusiva do governo federal e que não há previsão legal para o cancelamento do benefício por “recusa em trabalhar”. 

As informações inseridas pelas prefeituras no Cadastro Único servem de base para a verificação do perfil das famílias. No entanto, as decisões relativas à gestão dos benefícios são processadas em nível federal, com base em critérios objetivos, assegurando transparência, uniformidade e isonomia no tratamento de todos os beneficiários”, reiterou.

O AFP Checamos entrou em contato com a prefeitura de Bento Gonçalves sobre os cortes de beneficiários que “poderiam estar trabalhando”, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

O Checamos já verificou outros conteúdos relacionados ao Bolsa Família.

Referências

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