
Artistas que participaram de ato contra PEC da Blindagem não receberam recursos “sigilosos” do governo federal
- Publicado em 1 de outubro de 2025 às 21:22
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Enquanto você ganha uma mixaria do bolsa família, eles ganham milhões com o Ministério da Cultura”, diz um homem em um trecho de um vídeo que circula no TikTok, no X, no Threads, no Facebook e no Instagram.

Na gravação, o homem acusa artistas, como a cantora Daniela Mercury e o ator Wagner Moura, de receber pagamentos sigilosos do governo federal. Segundo ele, o ator recebeu mais de R$ 17 milhões para o patrocínio de dois filmes de 2023 a 2025 e Mercury recebeu um patrocínio sigiloso da Caixa Econômica Federal e do governo federal.
Publicações que replicam a gravação sugerem que os recursos seriam advindos da chamada Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991).
Os artistas estiveram presentes na manifestação realizada no último dia 21 de setembro em Salvador e o autor da peça de desinformação dá a entender que eles só teriam participado devido aos repasses de recursos públicos.
Além da capital baiana, diversas outras cidades brasileiras registraram atos contra a PEC da Blindagem e contra o projeto de anistia que poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado após perder as eleições para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.
Três dias depois dos protestos, em 24 de setembro, a PEC da Blindagem foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Mas a peça de desinformação erra ao afirmar que os artistas receberam recursos públicos em sigilo.
Recursos não estão em sigilo
Os dois artistas citados, de fato, foram contemplados com recursos públicos, mas não houve sigilo nem repasses feitos em desacordo com a lei.
No caso de Daniela Mercury, uma busca na aba de transparência no site de Patrocínios da Caixa Cultural permitiu identificar que a cantora foi beneficiária de um recurso de R$ 800 mil oriundos de edital público do Programa de Ocupação dos Espaços da Caixa Cultural, e não da Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991), como apontam as peças de desinformação.
Ao Comprova, projeto de verificação de fatos do qual o AFP Checamos faz parte, a Caixa confirmou que a cantora recebeu os R$ 800 mil para o projeto “Daniela Mercury canta Chico Buarque”, valor referente a oito apresentações em Brasília e Salvador.
O ator Wagner Moura tampouco recebeu recursos via Lei Rouanet, já que essa lei permite o financiamento apenas de curtas e médias-metragens e os dois títulos citados no vídeo viralizado, “O Agente Secreto” e “Marighella”, são longas-metragens. Essa informação também foi confirmada pelo Ministério da Cultura ao Comprova.
Uma busca na aba de consulta de projetos audiovisuais da Agência Nacional do Cinema (Ancine) com os títulos dos filmes citados pelo homem no vídeo viral permite ver os valores captados por cada obra que, juntas, somam aproximadamente R$ 17, 5 milhões (1, 2).
O longa “Marighella” foi autorizado a captar recursos pela lei nº 8.685/1993, conhecida como Lei do Audiovisual, específica para projetos do audiovisual. Dentre os valores que compõem a cifra de R$ 10 milhões há montantes descritos como “recursos próprios”.

Já o filme “O Agente Secreto” captou financiamento pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), um dispositivo da Lei do Audiovisual.

A manifestação de 21 de setembro foi convocada dias antes e, segundo informações públicas do site de transparência da Lei Rouanet, projetos musicais demoraram uma média de 22 dias em 2025 entre a admissibilidade e a sua publicação. Também não foram encontrados registros de que a lei tenha sido usada para o ato político.
Leis de renúncia fiscal
Os recursos captados pelos artistas não foram transferidos automaticamente pelo governo federal, como o vídeo viralizado leva a crer.
A Lei Rouanet, por exemplo, é uma legislação de renúncia fiscal a partir da qual empresas e pessoas físicas deduzem uma parte de seus impostos sobre renda para destinar a projetos culturais, que são aprovados pelo Ministério da Cultura.
A Lei do Audiovisual funciona da mesma forma, mas se limita a obras cinematográficas e séries, além de permitir aportes como patrocínio, com retorno de imagem ou investimento, oferecendo ao incentivador participação nos lucros.
O autor do vídeo também cita a lei complementar nº 195/2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo, e a lei nº14.399/2022, conhecida como Aldir Blanc.
A primeira legislação foi sancionada em caráter emergencial para atender o setor cultural após a pandemia de covid-19. Com a destinação de R$ 3,86 bilhões, o fomento do governo federal foi repassado a estados e municípios, que selecionaram projetos locais através de editais. As iniciativas foram executadas até o final de 2024.
Já a Política Nacional Aldir Blanc é uma legislação permanente que prevê o fomento anual de R$ 3 bilhões da União para os estados, os municípios e o Distrito Federal para a aplicação em editais ou em ações culturais diretas.
Este texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Zero Hora e de A Gazeta. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.
Referências
- Lei nº 8.313/1991, conhecida como Lei Rouanet
- Lei nº 8.685/1993, conhecida como Lei do Audiovisual
- Páginas da Ancine com as informações de captação dos filmes de Wagner Moura (1, 2)
- Notícias sobre os filmes de Wagner Moura (1, 2)
- Informações adicionais sobre a Lei Rouanet
- Informações adicionais sobre a Lei do Audiovisual
- Lei complementar nº 195/2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo
- Notícia sobre execução da Lei Paulo Gustavo
- Lei nº14.399/2022, conhecida como Lei Aldir Blanc