Publicações falsas levam usuários a crer que a Receita vai tributar adultos que moram com os pais e não pagam aluguel

  • Publicado em 26 de setembro de 2025 às 17:36
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A Receita Federal negou que notificará adultos que moram com seus pais sem pagar aluguel. O órgão se manifestou após a alegação circular em publicações com mais de 40 mil interações desde 21 de setembro, levando usuários a pensar que até mesmo quem ajuda nas despesas da casa poderia ser considerado um inquilino e tributado pelo fisco. Não é verdade: à AFP, a Fazenda negou que exista “qualquer ação de cruzamento de dados, presente ou futura, nesse sentido”. Além disso, um especialista explicou que essa situação não se enquadra em uma relação de inquilinato e não é passível de tributação.

“Adultos que moram com os pais serão notificados pela Receita Federal em 2026”, lê-se em uma manchete de um artigo, compartilhada no X pelo vereador Carlos Bolsonaro (PL).

A alegação da manchete também se espalhou em conteúdos no Facebook, no Instagram, no Kwai e no TikTok.

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Captura de tela feita em 25 de setembro de 2025 de uma publicação no X (.)

Pela identidade visual vista na captura de tela, é possível perceber que o artigo em questão foi publicado pelo site Diário do Comércio em 20 de setembro. 

Porém, uma consulta ao site feita em 25 de setembro mostra que o conteúdo foi atualizado no dia 22, e agora é intitulado: “É fake que adultos que moram na casa dos pais serão notificados pela Receita Federal em 2026”.

Segundo o texto, “a partir de janeiro de 2026, a Receita Federal passará a notificar contribuintes que residem em imóveis de terceiros sem contrato formalizado ou sem declarar pagamento de aluguel. O mecanismo usará inteligência artificial para cruzar dados do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais e Urbanos (Cinter) e do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB)”.

“No entanto, apesar de a Receita Federal preparar para 2026 a implantação de um sistema de cruzamento de dados de imóveis, o órgão esclareceu em nota oficial que a informação de que filhos adultos que moram na casa dos pais seriam notificados não é verdadeira. Segundo a Receita, não existe previsão de penalização nesse tipo de situação”, diz a versão atualizada do conteúdo.

A Receita Federal publicou uma nota sobre a alegação viralizada em 21 de setembro.

De onde surgiu o boato?

O texto do Diário do Comércio cita que tal medida teria sido oficializada com a publicação da Instrução Normativa 2.275/2025, de 15 de agosto. Essa norma dispõe sobre a adoção do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e o compartilhamento de informações por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter).

O CIB é uma inovação trazida pela reforma tributária. Trata-se de um cadastro que gera um número único para cada imóvel, semelhante a um número de CPF. Esse cadastro reunirá informações dos municípios e cartórios, funcionando como uma espécie deinventário daquela propriedade.

Já o Sinter é um sistema lançado em 2022 pela Receita Federal, que abriga os dados do CIB. O sistema conecta cadastros municipais, rurais e de imóveis públicos (como terras indígenas) em um banco de dados nacional, e também será usado para calcular o valor de referência dos imóveis.

A Instrução Normativa 2.275/2025 trata justamente do funcionamento desses mecanismos. Ela prevê que os cartórios (chamados na norma por seu nome técnico de “Serviços notariais e de registro”) devem se integrar ao Sinter para compartilhar informações referentes aos imóveis.

Não há qualquer menção de notificação para pessoas que moram em imóveis de terceiros e não pagam aluguel.

O CIB vai permitir que a Receita use IA para identificar relações de inquilinato informais?

Na visão de Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, a criação do CIB tem, sim, um objetivo de maior controle fiscal. Porém, essa fiscalização está muito mais atrelada a vendas e transferência na propriedade de imóveis do que à fiscalização de locações:

“Não vejo como, por meio desse cadastro, o órgão público vai fiscalizar se o imóvel está sendo ocupado pelo proprietário, se ele está sendo ocupado por uma terceira pessoa e se a terceira pessoa ocupa esse imóvel a título gratuito ou se paga aluguel. Então não vejo, nesse cadastro [CIB], num primeiro momento, como pode existir essa fiscalização no sentido do pagamento de aluguel”.

O AFP Checamos consultou o Ministério da Fazenda a respeito da alegação presente no texto do Diário do Comércio de que a Receita Federal pretende utilizar IA para cruzar dados e detectar relações de inquilinato informais (ou seja, aquelas em que existe o pagamento de aluguel, mas não há um contrato formal). 

Em resposta, a área técnica do ministério afirmou à AFP que “não existe nada disso. Não há qualquer ação de cruzamento de dados, presente ou futura, nesse sentido”.

“Um fundo imobiliário bilionário de criminosos que a Receita fiscalize tem um impacto maior que 100 vezes todos os inquilinos informais do Brasil, então é nisso que a Receita está focando”, acrescentou o órgão.

Quem mora com os pais e ajuda nas despesas pode ser tributado?

As publicações levaram alguns usuários a entender que filhos adultos que moram com os pais e contribuem pagando as despesas domésticas poderiam ter esses valores tributados pelo Imposto de Renda, por estarem pagando uma espécie de “aluguel não oficial” (1, 2).

Segundo Tapai, não há qualquer fundamento jurídico nessa hipótese.

“Se o dinheiro que eu contribuo em casa não tem a finalidade de pagamento de aluguel do imóvel, e sim de contribuição com a despesa da casa, eu não posso tributar esse dinheiro. O valor do aluguel só é tributado quando é pago a título de aluguel”, explicou.

Além disso, Tapai explica que não há nada na legislação que obrigue um proprietário a cobrar aluguel de quem mora em sua residência. Ou seja, não há qualquer obrigação por parte de pais de cobrarem um aluguel de filhos adultos, caso ainda morem juntos: “Você, sendo proprietário do imóvel, pode dispôr do imóvel da forma como você quiser”.

Referências:

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