Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, discursa durante votação em Brasília em 2 de abril de 2025. (AFP / EVARISTO SA)

Veto de Motta a reuniões de comissões durante recesso parlamentar não representa o fechamento do Congresso

  • Publicado em 24 de julho de 2025 às 22:22
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Após o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), assinar uma normativa que veta reuniões de comissões até o início de agosto de 2025, publicações nas redes sociais com mais de 28 mil interações afirmam que a medida representaria o “fechamento do Congresso”. Mas o ato suspende essas atividades na Casa apenas durante o recesso do Congresso Nacional, também formado pelo Senado. Esse recesso, considerado informal e uma tradição parlamentar, foi mantido mesmo sem a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para a realização de obras de manutenção na Câmara. 

“Fecharam o congresso”, dizem publicações que compartilham um ato normativo assinado por Hugo Motta no X, no Instagram e no Facebook

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Captura de tela feita em 23 de julho de 2025 de uma publicação no X (.)

As publicações compartilham o documento assinado em 22 de julho, após parlamentares do Partido Liberal solicitarem a suspensão do recesso parlamentar para votar moções em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Os parlamentares que estavam na Câmara na data da assinatura da normativa de Motta protestaram contra a medida. 

A movimentação de deputados do PL se deu após Bolsonaro começar a usar tornozeleira eletrônica e enfrentar outras restrições judiciais determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em 18 de julho, que o acusa de incitar “atos hostis” dos Estados Unidos contra o Brasil, taxado em 50% pelo mandatário norte-americano, Donald Trump. 

No entanto, antes mesmo da normativa de 22 de julho, Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, haviam confirmado que o recesso seria mantido tal como planejado - e ante pedidos de parlamentares da oposição ao governo Lula para que as férias fossem canceladas. 

“Recesso branco” 

Em nota à imprensa de 18 de julho, o presidente da Câmara manteve o recesso com a suspensão de votações em plenário e de reuniões das comissões sob a justificativa de que a Casa passaria por obras estruturais, como modernização do corredor das comissões, atualização de sistemas de áudio e vídeo em auditórios e plenários, e reformas em gabinetes parlamentares.  

O recesso do Congresso Nacional — formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado — é garantido pelo artigo 57 da Constituição Federal de 1988, que estipula que as atividades legislativas se estendem de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. 

O inciso 2º do artigo afirma, no entanto, que as sessões legislativas só são interrompidas para o recesso com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), lei que estabelece as metas e prioridades do orçamento do governo para o ano seguinte.

Algumas peças de desinformação recorrem ao disposto nesse artigo para questionar a decisão de Motta, uma vez que a votação da LDO só será feita este ano após o recesso. 

Mas, como aponta André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, o atraso na votação da LDO é “uma coisa que faz parte da nossa história política” e que não impede a realização da pausa parlamentar. 

Nos últimos anos, o Congresso manteve o recesso mesmo sem a votação da lei (1, 2). O Senado já mostrou, inclusive, que o atraso na votação é observado, de forma intermitente, desde 1990 e inclusive em 2006, quando passou a valer o atual calendário legislativo. 

“Tecnicamente não há recesso formal — o que leva à ocorrência do chamado ‘recesso branco’, uma espécie de interrupção informal dos trabalhos legislativos, ainda que o Congresso permaneça oficialmente em funcionamento”, explica Daniel Capecchi Nunes, professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Quando há o recesso formal, ou seja, após a votação da LDO, as atividades legislativas são totalmente interrompidas e uma comissão representativa é formada para ações em caso de urgência ou “em eventos de interesse nacional e internacional”

Mas, mesmo que o recesso não seja considerado formal, as atividades parlamentares ainda podem ser suspensas pontualmente: “O Regimento Interno atribui ao presidente da Câmara a responsabilidade de garantir as condições adequadas para o funcionamento das comissões (art. 17, III, e). Se há obras que comprometem essa estrutura, a suspensão pode ser justificada como medida administrativa legítima, e não como uma proibição arbitrária”, afirma Nunes. 

O mesmo entendimento é compartilhado por César, que reforça que o presidente da Casa tem o poder de vetar reuniões e que o recesso encerrou os trabalhos do primeiro semestre, seja ele formal ou não.

Em e-mail enviado ao Checamos em 22 de julho, a assessoria da Câmara confirmou que as reuniões foram suspensas devido às obras de manutenção e afirmou que “todas as outras atividades legislativas, como contagem de prazos, distribuição de proposições e nomeação de relatores, ocorrem normalmente”.  

Decisão atípica 

O cientista político André César avalia que a normativa assinada por Motta não pode ser considerada como um fechamento do Congresso, embora a considere “exagerada”

“A gente está vivendo momentos de anormalidade institucional que obriga os chefes de poderes, na minha avaliação, a tomar posições/decisões desse tipo. Em tempos normais, não seria necessário isso. Mas hoje precisa fazer uma coisa dessa para marcar presença. Mas não precisava. Isso nunca foi necessário”

A decisão de Motta se limita às sessões legislativas da Câmara durante o recesso, e não ao Congresso todo, que abrange também o Senado, como relembra Nunes. 

“A expressão ‘fechar o Congresso’ não descreve corretamente o que está acontecendo e tem forte carga retórica, associada a momentos autoritários da história brasileira — como o Ato Institucional nº 5, durante a Ditadura Militar, que efetivamente suprimiu o funcionamento do Legislativo. No regime democrático vigente, não existe a figura constitucional do ‘fechamento do Congresso’ por ato unilateral do presidente da Câmara”,  ressaltou o professor da UFRJ.

Referências 

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