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Acordo comercial entre Mercosul e UE ainda não foi assinado e nem entrou em vigor
- Publicado em 12 de dezembro de 2024 às 16:52
- Atualizado em 19 de dezembro de 2024 às 16:36
- 5 minutos de leitura
- Por Sofia BARRAGAN, Manuela SILVA, AFP Argentina, AFP Uruguay
- Tradução e adaptação AFP Brasil
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“MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA ASSINAM ACORDO DE LIVRE NEGOCIAÇÃO”, dizem as publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram, no Threads, no Kwai e no X, sugerindo que o acordo já estaria em vigor.
A imprensa também repercutiu o fim das negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia (1, 2).
No entanto, o tratado ainda não foi assinado e tampouco entrou em vigor.
Um acordo que esperou muito tempo
Durante a 65ª Cúpula de Presidentes dos Estados Partes e Associados do Mercosul, realizada em 6 de dezembro de 2024 em Montevidéu, no Uruguai, foi anunciada a conclusão das negociações para um acordo de livre-comércio entre o bloco sul-americano e a UE. Participaram do encontro os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Javier Milei (Argentina), Santiago Peña (Paraguai) e Luis Lacalle Pou (Uruguai), além de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
O tratado comercial entre o Mercosul e a UE foi adiado por diversas vezes. Em 2019, ambos os blocos tinham anunciado a celebração de um pacto, mas o processo ficou paralisado e não foi ratificado.
Tanto o Brasil como a Alemanha e a Espanha insistiram em finalizar o texto na cúpula de 2024, antes da chegada de Donald Trump, e da sua guerra tarifária, à Casa Branca em janeiro de 2025.
Apesar da forte oposição de países como a França e a Itália, Von der Leyen afirmou que os negociadores “trabalharam incansavelmente durante muitos, muitos anos em prol de um acordo ambicioso e equilibrado. E eles tiveram sucesso”.
No entanto, isso não significa que o acordo seja um fato.
Fim das negociações, mas início de um longo processo
O doutor em Relações Internacionais Ignacio Bartesaghi, do Uruguai, explicou à AFP que o que ocorreu entre a UE e o Mercosul na cúpula de 2024 foi o encerramento das negociações para um Acordo de Associação que “reduz as tarifas e negocia as condições de negócios entre os dois blocos, o que é amplamente benéfico para aumentar os fluxos de exportação de bens e serviços”.
Marcelo Elizondo, presidente do Comitê Argentino na Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês) e membro consultor do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI), disse à AFP por e-mail em 6 de dezembro de 2024 que “o pacto prevê que, gradualmente, a UE elimine tarifas para 92% das exportações do Mercosul (a maioria imediatamente e uma minoria com prazo diferido), e para o restante prevê isenção de tarifas apenas para cotas [volume máximo]”.
Quanto ao Mercosul, eliminará “tarifas para 91% das suas importações da União Europeia, deixando excluídos desses benefícios os 9% restantes (considerados produtos sensíveis)”, detalhou Elizondo.
Também “irão remover os obstáculos para o comércio de serviços” entre os dois blocos, empresas sul-americanas poderão “participar de compras públicas em condição de igualdade” e aprofundarão “o compromisso com a facilitação do comércio, eliminando as complexidades burocráticas acordadas na Organização Mundial do Comércio”.
Embora as negociações tenham terminado, agora começa um processo em que o texto deverá ser revisado juridicamente e traduzido para os idiomas de cada país-membro do Mercosul e da União Europeia, que então decidirão assinar ou não o acordo. “As negociações estão encerradas, o texto está fechado, mas não está assinado”, esclareceu Bartesaghi.
“Depois começa o processo de ratificação de discussão para o seu pilar comercial, que é supranacional, que tem que ser debatido no Conselho Europeu, para chegar a maiorias qualificadas que o comprovem”, explicou a especialista.
Uma vez fechado o texto com o Mercosul, será necessário que pelo menos 15 dos 27 países da UE, que representam 65% da população do bloco, apoiem o acordo.
Caso seja adotado pelo Conselho, a ratificação deverá passar pela aprovação do Parlamento Europeu, dessa vez por maioria simples.
Esse processo pode levar “pelo menos um ano e meio ou dois anos, caso não surjam impedimentos políticos”, explicou Bartesaghi.
Além disso, é possível que haja uma terceira etapa.
O acordo UE-Mercosul se enquadra na “competência compartilhada” (também conhecida como “competência mista”), pois abrange elementos de competência nacional, como a proteção de investimentos específicos dos Estados-membros. Isto implica “que, além da própria UE, os países da UE se tornam partes contratantes de partes contratantes fora da UE”, lê-se no site oficial. Como consequência, um acordo “misto” deve ser ratificado “tanto em nível da UE como dos Estados-membros, pelos parlamentos nacionais”, detalha o site europeu, o que torna o processo de ratificação mais complexo.
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Nesse sentido, Bartesaghi recomenda “cautela” quanto ao futuro do acordo. “Devemos ser cautelosos, porque já tivemos essas celebrações em 2019”, expressou, detalhando, no entanto, as particularidades daquele período. “Havia o Pacto Ecológico da UE, a pandemia, [o então presidente Jair] Bolsonaro com uma negação muito forte das mudanças climáticas, a França com mais poder do que tem hoje no seu bloqueio, e os interesses da Comissão Europeia eram outros”, disse, listando alguns dos obstáculos que o pacto enfrentou naquela ocasião.
Oposição
Um dos obstáculos apresentados pelo processo de ratificação do pacto é a oposição de países como França e Itália, que afirmaram, ainda durante a visita de Von der Leyen a Montevidéu, que, embora as partes tenham concordado sobre o texto, o processo enfrentará forte resistência.
O presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou que o projeto de acordo comercial é “inaceitável no seu estado atual”. “Continuaremos a defender incansavelmente a nossa soberania agrícola”, acrescentou a Presidência francesa em uma publicação no X em 5 de dezembro de 2024.
A preocupação central da França é a protecção do sector agropecuário, que considera estar em desvantagem para competir com o Cone Sul.
No caso da Alemanha, o chefe do Governo, Olaf Scholz, acredita que “essa é uma oportunidade única para se chegar a um acordo” e que não deve ser desperdiçada, declarou a porta-voz do governo, Christiane Hoffmann, durante uma coletiva de imprensa em Berlim em 6 de dezembro.
Polônia, Áustria e Países Baixos também estão reticentes em ter um pacto comercial com o Mercosul.
Referências
- Comunicado Mercosul-UE de dezembro de 2024
- Comunicado Mercosul-UE de junho de 2019
- Exportações agrícolas após o acordo do Mercosul
- Declaração da Presidência da França contra o acordo
19 de dezembro de 2024 Acrescenta detalhes sobre o processo de ratificação do acordo nos parágrafos 15 a 20