Sites distorcem matéria para dizer que governo planeja cobrar imposto de R$ 740 para donos de cães

  • Publicado em 28 de novembro de 2024 às 18:25
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Desde, pelo menos, 16 de novembro de 2024, veículos de mídia noticiaram que a Alemanha teve uma arrecadação recorde ao cobrar um imposto de € 120 anuais — ou R$ 740 — a donos de cães. A informação, porém, foi distorcida nas redes sociais em publicações com mais de 6 mil interações para alegar que o governo brasileiro estuda implantar o mesmo tributo nesse valor. Isso é falso: o Ministério da Fazenda e duas instituições civis ligadas à causa animal afirmaram à AFP que a informação não procede.

“Governo federal estuda criar imposto para donos de cães; valor pode ser de R$ 740 por ano”, diz uma manchete que circula no Facebook. O conteúdo também foi compartilhado no Instagram, no X, no Threads, no TikTok e no Kwai.

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Captura de tela feita em 27 de novembro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

A manchete foi publicada em uma série de portais na internet (1, 2, 3). O texto completo detalha que “o Ministério da Fazenda, sob a liderança de Fernando Haddad, está analisando a possibilidade de criar um imposto anual para donos de cães, inspirado no modelo alemão. A proposta prevê que tutores paguem R$ 740 por ano por animal, com o objetivo de aumentar a arrecadação e financiar políticas de saúde pública, controle de zoonoses e bem-estar animal”.

“O governo prevê a criação de um cadastro nacional para identificar os animais, com obrigatoriedade de microchipagem e registro em uma plataforma digital, facilitando a fiscalização e o controle da população canina”, continua o texto.

Esse suposto tributo poderia valer a partir de 2025, caso aprovado. Ainda segundo o artigo, a proposta teria gerado “grande repercussão” na sociedade civil e entre organizações não governamentais (ONGs) ligadas à causa animal. 

Uma pesquisa por “ministério fazenda imposto cães” não trouxe nenhuma página governamental a respeito do tema ou notícias sobre a criação de tal imposto no Brasil publicadas por veículos de imprensa maiores. O único resultado compatível gerado pela pesquisa foi uma matéria publicada em 21 de novembro no portal E-Investidor, do Estadão.

Intitulado “Donos de animais agora vão ter que pagar imposto por seus pets? Descubra”, o artigo detalha como funciona o modelo alemão para a cobrança desse imposto. Embora os valores variem de acordo com a quantidade de animais e até a raça deles, o texto informa que, em Berlim, por exemplo, é cobrada uma taxa básica de € 120 por ano, o equivalente a cerca de R$ 740.

A respeito da possibilidade de esse tributo ser cobrado no Brasil, a reportagem do Estadão entrevista o advogado especialista em direito animal Yuri Fernandes Lima, que avalia não ser viável a aplicação de um imposto sobre animais domésticos atualmente no país.

Uma nova pesquisa no Google pelos termos “imposto cães” — limitando os resultados aos publicados até 18 de novembro de 2024, a fim de identificar a origem do boato —  trouxe como resultado diversas notícias publicadas na imprensa (1, 2, 3) sobre a arrecadação recorde de R$ 2,4 bilhões atingida pela Alemanha com o imposto sobre cães.

Nenhuma dessas reportagens, porém, afirma que o modelo está sendo estudado pelo Ministério da Fazenda no Brasil.

Consultada pelo AFP Checamos, a assessoria de comunicação da pasta disse, em 27 de novembro, que “trata-se de um conteúdo falso”.

Organizações da sociedade civil

O texto viralizado nas redes sociais afirma que a proposta de tributar animais no Brasil tem gerado grande repercussão na sociedade, e inclui, ainda, duas supostas entrevistas com ativistas dos direitos animais, incluindo “Ana Paula Souza, fundadora de uma ONG de proteção animal”.

O AFP Checamos não conseguiu localizar a pessoa citada, cuja organização não é mencionada em nenhum momento do texto.

A AFP entrou em contato com duas organizações não governamentais ligadas à causa animal: a ONG Cão Sem Dono e o Instituto Ampara Animal.

Vicente Define Neto, diretor da Cão Sem Dono, afirmou que a organização se deparou “com alguns comentários a respeito [do tema] através de redes sociais e por mensagens de whatsapp. A informação não procede segundo pesquisa que fizemos”.

E acrescentou: “Aliás, seria algo até impossível de se realizar no Brasil, pois não há nenhum controle de animais domesticados e domiciliados, bem como os que vivem nas ruas”.

Viviane Cabral, gerente de Relações Institucionais e Governamentais no Instituto Ampara Animal, também afirmou à AFP que a informação viral não procede.

“Todos os esforços em esfera governamental, em todos os entes federados (municípios, estados e União), inclusive, têm sido para oferecer serviços gratuitos aos tutores, a fim de estimular a tutela responsável, a adoção, a castração e até o atendimento médico veterinário”, disse.

“O MMA [Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima] ainda está formulando um cadastro nacional com adesão voluntária pelo gov.br para tutores de cães e gatos. Esse é um esforço muito importante para implementação de ações de saúde única e bem-estar animal. Se sequer temos ainda esse dado censitário, estamos longe de poder cobrar dos tutores taxas ou impostos”, acrescentou.

Referências

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