Leilão para construção de escolas públicas em SP não prevê privatização da parte pedagógica

  • Publicado em 4 de novembro de 2024 às 20:42
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
O programa de parceria público-privada “Novas Escolas”, lançado pelo estado de São Paulo, busca conceder à iniciativa privada a construção e a gestão de atividades não pedagógicas de escolas públicas. Após o primeiro leilão do programa, em 29 de outubro de 2024, publicações com mais de 31,6 mil interações nas redes sociais falam em “privatização do ensino público”. Embora entidades critiquem a distinção entre atividades pedagógicas e não pedagógicas no ambiente escolar, o projeto prevê que os serviços prestados pela iniciativa privada não devem interferir diretamente no ensino.

“Hoje Tarcísio privatizou na Bolsa de Valores 30 escolas públicas de SP”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook. Alegações semelhantes sobre a privatização do ensino público circulam no Instagram e no Kwai.

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Captura de tela feita em 1º de novembro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

No X, usuários associaram a iniciativa à “privatização do ensino público em São Paulo”, e a comparam ao modelo adotado no estado do Paraná. Na mesma rede social, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também criticou o projeto e afirmou que o governador do estado paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), “numa tacada só, privatizou a gestão de 17 escolas”.

A parlamentar fez referência ao leilão do projeto Novas Escolas, realizado em 29 de outubro, para construção e manutenção do primeiro lote de 17 escolas estaduais do chamado Lote Oeste, que inclui municípios como Campinas, Itatiba, Marília, Olímpia, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, dentre outros. O leilão foi vencido pelo Consórcio Novas Escolas Oeste SP, composto pelas empresas Engeform e Kinea. Outras 16 unidades escolares compõem o Lote Leste, que foi a leilão em 4 de novembro.

Em 30 de outubro de 2024, o juiz Luis Manuel Fonseca Pires acatou uma ação civil pública movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e suspendeu o leilão que havia sido realizado no dia anterior. Em 31 de outubro, porém, essa decisão foi derrubada e o leilão teve sua validade mantida.

Projeto Novas Escolas

O governo de São Paulo explica, em seu site, que o projeto de parceria público-privada (PPP) tem como objetivo ceder à iniciativa privada “apenas serviços não pedagógicos, como construção, adequação e manutenção predial dessas novas unidades educacionais.

“Toda equipe de diretores, coordenadores pedagógicos e professores será composta de profissionais concursados ou contratados pelo Governo do Estado de São Paulo”, detalhou a assessoria de comunicação da Secretaria de Educação do estado de São Paulo (Seduc-SP) ao AFP Checamos em 31 de outubro.

Segundo a secretaria, as empresas vencedoras do leilão prestarão “apenas serviços não pedagógicos como a manipulação de alimentos; vigilância e portaria; limpeza; jardinagem e controle de pragas; manutenção e prevenção; apoio escolar; tecnologia da informação; serviços de gestão de utilidades; e serviços administrativos. A Seduc-SP reforça que o ensino seguirá público e gratuito”.

“Vale dizer que esses serviços não pedagógicos nas escolas muitas vezes já são terceirizados, [como] a vigilância, a limpeza, a alimentação, a jardinagem, só que eles são terceirizados para diferentes empresas que são contratadas e prestam serviço numa unidade escolar”, afirmou à AFP Gabriel Corrêa, diretor de políticas públicas da organização da sociedade civil Todos pela Educação.

A Seduc-SP alega que, ao centralizar todos esses serviços em um único consórcio, a ideia é que gestores e professores tenham mais tempo para se dedicar às atividades pedagógicas de ensino.

Modelo é diferente do adotado no estado do Paraná

A iniciativa paulista é comparada nas redes ao modelo adotado pelo estado do Paraná desde 2023, o programa Parceiro da Escola. Nele, a iniciativa privada é responsável pela supervisão da gestão pedagógica, dentre outros aspectos.

O programa foi oficialmente instituído no Paraná com a sanção da lei 22.006/2024 em 4 de junho de 2024 pelo governador Ratinho Júnior (PSD). O texto prevê que o programa será avaliado por indicadores escolares como “evolução da frequência” e “evolução da aprendizagem”.

Nesse ponto, segundo Corrêa, há uma diferença relevante entre os modelos adotados pelos governos paulista e paranaense. “Um ponto importante é que não existe nenhuma meta e nenhum indicador que será acompanhado nessa concessão [do governo de São Paulo] que diz respeito à aprendizagem dos estudantes, ou seja, de fato o parceiro contratado precisa se atentar com as questões do contrato: com a infraestrutura, com a alimentação, com a vigilância, com a limpeza, e não com questões pedagógicas”, disse. 

“E eu estou reforçando isso porque é diferente, por exemplo, do modelo do Paraná, em que o estado está avançando com o modelo em que a empresa contratada tem metas que dizem respeito a questões pedagógicas como a aprendizagem dos estudantes, a redução da evasão e assim por diante”, concluiu.

Os critérios de avaliação de desempenho da empresa contratada para o projeto de São Paulo estão especificados no Anexo E, disponível na página dedicada ao programa no site do governo estadual. Nele, são descritos como critério de avaliação do desempenho índices de satisfação com a alimentação, limpeza, além de indicadores de disponibilidade de água e energia elétrica, dentre outros.

Atividades não-pedagógicas e espaço físico

Embora o governo do estado de São Paulo reforce que todas as atividades pedagógicas permanecerão sob a gestão exclusiva da Seduc-SP, sindicatos e outras entidades relacionadas à área da educação criticam a distinção feita entre as atividades pedagógicas e aquelas classificadas pelo poder estadual como “não pedagógicas”.

Na ação movida pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) para suspender o leilão do Novas Escolas, o juiz Luis Manuel Fonseca Pires — que acatou a decisão do sindicato — entendeu que essa distinção seria artificial.

“Incorre-se em erro de compreensão sobre os múltiplos sentidos da pedagogia ao se sustentar alguma imaginária independência da estrutura física em relação ao projeto educacional, propõe-se uma artificial divisão entre a gestão do espaço físico escolar e a atividade desenvolvida em sala de aula”, afirma a decisão judicial — que foi, posteriormente, revogada.

Em uma nota pública, a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) também afirma ser “impossível na prática” separar a gestão administrativa da pedagógica. Segundo a associação, ao estabelecer que a empresa contratada deverá “criar centros educativos com ambientes integrados, tecnologia, espaços de inovação e de estudo individual”, o programa estadual transfere à iniciativa privada o planejamento e a organização arquitetônica das unidades escolares, o que teria influência direta no processo pedagógico.

Em 30 de outubro, o AFP Checamos perguntou à Seduc-SP quem ficaria responsável pela arquitetura das novas unidades educacionais. Em resposta, a secretaria afirmou que, conforme previsto no edital (1, 2), as novas escolas terão três modelos, com 21, 28 ou 35 salas de aula, e que as estruturas devem contar com “ambientes integrados e interligados, uso interativo de tecnologia, auditório de múltiplo uso, e espaços dedicados a esportes, cultura, vivência, estudo”. A pasta acrescentou que a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) será responsável pela regulação e fiscalização dos serviços prestados pela concessionária.

Consultada novamente em 1º de novembro, a Seduc-SP confirmou ao AFP Checamos, por telefone, que o projeto arquitetônico das novas unidades educacionais ficará a cargo da empresa contratada, reforçando que tal projeto deverá cumprir com os parâmetros e modelos previstos no edital.

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