Governo não vai entregar R$ 450 milhões ao MST para a compra de terras; entenda
- Publicado em 24 de outubro de 2024 às 19:47
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“Governo Lula vai gastar R$ 450 milhões em compras de terra para o MST”, diz uma mensagem compartilhada no X. O conteúdo também circula no Facebook, no Instagram, no TikTok e no Kwai.
Diversas publicações afirmam diretamente que esse valor seria destinado ao movimento social (1, 2).
(.)
O título tem como origem um artigo publicado pela Revista Oeste em 14 de outubro. A mesma manchete foi publicada também pelo jornal Gazeta do Povo.
Em ambas as matérias, o texto do artigo explica que “o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja investir R$ 450 milhões na compra de terras para a reforma agrária. Essa é uma demanda antiga do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”.
Tanto a Revista Oeste quanto a Gazeta do Povo citam como fonte para a informação uma declaração fornecida pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, ao jornal Folha de S.Paulo em 13 de outubro.
Na matéria publicada pela Folha, é informado que o ministro Paulo Teixeira “calcula que, até o final do ano, o valor total de terras compradas para reforma agrária deve chegar a R$ 450 milhões, em uma das iniciativas do programa Terra da Gente”.
Segundo o artigo, desses R$ 450 milhões, Texeira afirmou que já foram usados R$ 200 milhões, e que o restante será liberado “em breve”.
O MST não é citado em nenhum ponto da matéria.
Consultado pelo AFP Checamos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirmou, em 17 de outubro, que “não há repasse de recursos para obtenção de terras a outros órgãos públicos e nem a organizações da sociedade civil”, como é o caso do MST.
“Os valores são utilizados pelo Incra para pagamento de indenizações aos proprietários de imóveis rurais cujas terras foram destinadas à reforma agrária para criação de assentamentos. A incorporação das áreas ao Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) se dá mediante pagamento de indenização em valores atualizados de mercado”, acrescentou o instituto.
Em sua resposta, o Incra também informou que “a obtenção de terras para a reforma agrária pode ser feita a partir de diversas modalidades. A mais utilizada é a desapropriação”.
Como explicado em abril de 2024 pelo AFP Checamos, a desapropriação é um processo pelo qual o Estado toma para si um bem privado, mediante o pagamento de uma indenização ao proprietário. A desapropriação de terras que não cumprem sua função social para a reforma agrária é prevista pela Lei 8.629, de 1993.
O processo de desapropriação difere, portanto, de um processo de expropriação, no qual o proprietário tem sua terra tomada e não é reembolsado. Isso porque, diferentemente da desapropriação, a expropriação ocorre devido a algum ato ilícito do proprietário.
Programa Terra da Gente
O Programa Terra da Gente foi instituído pelo Decreto nº 11.995, de 15 de abril de 2024. A medida lista uma série de possibilidades, já previstas em lei anteriormente, para a obtenção de terras destinadas à política de reforma agrária. Essas possibilidades incluem, mas não se limitam, aos processos de desapropriação e expropriação.
Como explicado à AFP por Sérgio Sauer, professor da Faculdade UnB Planaltina e pesquisador em temas agrários, o programa Terra da Gente é administrado pelo Incra, que, por sua vez, é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
“Nenhum movimento social tem gestão ou poder de decisão sobre o Incra ou sobre qualquer programa de reforma agrária”, reforçou o docente. “O MST — um entre dezenas de movimentos do campo — é movimento social e seu papel é pressionar para que sejam destinadas terras para a reforma agrária”.
O MDA conta com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Condraf), composto por 36 representantes da sociedade civil e 32 representantes da gestão pública federal. Dentre os representantes da sociedade civil presentes na gestão do conselho em 2024 existem integrantes do MST.
Esse conselho, porém, é um “conselho consultivo (...), portanto, sem poder de decisão, apenas de orientação, sugestão e ‘controle’”, explicou Sauer.
A advogada Samanta Pineda, especialista em Direito Ambiental, também afirmou à AFP em 21 de outubro que a gestão do Programa Terra da Gente é de responsabilidade do Incra e que “não há evidência de qualquer participação do MST em decisões relacionadas ao andamento do programa”.
Quem recebe as terras?
Como gestor das políticas de reforma agrária no país, o Incra define os critérios utilizados para selecionar os beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária.
São vetados, por exemplo, ocupantes de cargo, emprego ou função pública remunerada e também aqueles que já forem proprietários rurais (exceto quando a propriedade em questão é considerada insuficiente para garantir o sustento do proprietário e de sua família). Além disso, aqueles que tenham “renda proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais ou a um salário mínimo per capita” também não podem participar da seleção.
A lista completa de beneficiários selecionados para o Programa Nacional de Reforma Agrária pode ser conferida aqui.
Referências
- Notícia publicada pela Folha de S.Paulo em 13 de outubro de 2024
- Formas de obtenção de terra pelo Incra
- Lei 8.629, de 1993
- Decreto nº 11.995, de 15 de abril de 2024
- Página do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar e seus membros (1, 2)
- Seleção de beneficiários do PNRA