O STF não legalizou a maconha, mas descriminalizou o porte da droga para consumo

  • Publicado em 27 de junho de 2024 às 18:52
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  • Por AFP Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) não legalizou a maconha, como afirmam publicações, que acumulam centenas de interações nas redes sociais, desde 20 de junho de 2024. Na verdade, a Corte formou maioria e decidiu que o porte da droga para uso pessoal não é crime e deve ser caracterizado como infração administrativa, sem consequências penais, com sanções previstas na legislação, enquanto a venda de entorpecentes segue sendo ilegal.

“Tá legalizada” e “STF decidiu que a maconha está liberada para consumo” são as frases sobrepostas a um vídeo que circula no Instagram e no Facebook.

A alegação é compartilhada junto à captura de tela de uma reportagem da GloboNews ou de um trecho da própria matéria. Na parte inferior da tela, lê-se a indicação da data “20 JUN” junto  às informações “PORTE DE MACONHA: TOFFOLI VOTA PARA MANTER SANÇÕES” e “DESCRIMINALIZAÇÃO DE MACONHA: STF AINDA SEM MAIORIA”.

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Captura de tela feita em 21 de junho de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

A alegação começou a ser compartilhada após o STF retomar, em 20 de junho, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE 635659) e formar maioria, em 25 de junho, pela descriminalização da maconha. 

Mas, ao contrário do que afirmam as publicações, isso não significa que a droga esteja legalizada.

Julgamento 

Uma pesquisa pela frase “Porte de maconha: Toffoli vota para manter sanções” e “GloboNews” exibiu a reportagem publicada no perfil oficial da emissora no Facebook em 20 de junho, e cujo trecho viralizou nas redes sociais. O vídeo também foi publicado no perfil da GloboNews no X nessa mesma data.

No vídeo, a repórter Isabela Camargo informa sobre o andamento do julgamento no STF. “O julgamento que será retomado na próxima semana e que há, ainda, muitos pontos a serem considerados e analisados pelos ministros (...) Hoje, de fato, tivemos uma terceira opção de análise, que foi o impedimento do ministro Dias Toffoli”, diz a jornalista.

Nessa data, o STF estava julgando a descriminalização do porte para consumo para uso pessoal e as quantidades que diferenciam usuários e traficantes.

O recurso, encaminhado ao STF em 2011, começou a ser julgado em 2015 e foi interrompido diversas vezes por pedidos de vista (mais tempo de análise) pelos magistrados. 

Até 20 de junho havia cinco votos favoráveis à descriminalização apenas no caso do porte de maconha para consumo pessoal: Gilmar Mendes (relator da ação), Luís Roberto Barroso (atual presidente do STF), Rosa Weber (atualmente aposentada), Edson Fachin e Alexandre de Moraes. 

Sob argumentos diferentes, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques já haviam votado contra.

Controvérsia

Na retomada do julgamento em 25 de junho, o ministro Dias Toffoli complementou o seu voto, iniciado na sessão anterior, quando argumentou que a Lei de Drogas já presume que o ato de portar entorpecentes não é crime, e afirmou que defende a descriminalização de todas as drogas.

Com esse voto, o STF formou maioria para que deixe de ser crime no Brasil o porte de maconha para uso pessoal. 

Na sequência, a ministra Cármen Lúcia se manifestou pela descriminalização. Já na interpretação de Luiz Fux, a Lei Antidrogas é constitucional e deve ser mantida. O magistrado também ponderou que a definição entre usuário ou traficante não deveria ser feita pelo Poder Judiciário.

Em 26 de junho, a Corte estabeleceu o limite de 40 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis para diferenciar usuários de traficantes. 

Descriminalização não é legalização

Não é correto afirmar que o STF “liberou” ou legalizou o consumo de entorpecentes.

“O que o STF fez agora não foi despenalizar e nem foi legalizar, ele descriminalizou”, explica o advogado criminalista Rafael Paiva, mestre em Direito e professor de Direito Penal, Processo Penal e Lei Maria da Penha.

Descriminalizar é diferente de legalizar, como detalhou Paiva: “O que é descriminalizar? A conduta continua existindo, só que não é mais considerada crime, é considerado um ilícito administrativo.”

Nesse sentido, o advogado destaca que desde 2006, com a aprovação da Lei de Drogas, “já houve a despenalização através de lei do Congresso Nacional. Ou seja, deixou de ter uma pena privativa de liberdade”. E continuou: “A diferença é que hoje, com a descriminalização, não pode ser registrado boletim de ocorrência com relação ao porte de maconha para consumo pessoal”.

Paiva detalha que ainda pode haver a apreensão da droga e “o destino de queimar, de incinerar, como já é feito atualmente. A diferença é que isso não vai gerar nenhum tipo de responsabilidade criminal por parte desse usuário, mas todas as outras medidas acontecem. Inclusive, ele vai poder ser punido com multa”.

Como o recurso teve repercussão geral reconhecida — instrumento jurídico utilizado para uniformizar a interpretação sobre determinado tema —, todas as instâncias da Justiça deverão seguir a solução adotada pelo STF quando forem julgar casos semelhantes.

Mas isso não significa que o Supremo “legalizou” a maconha, já que a elaboração de novas leis é tarefa do Congresso Nacional.

Judiciário x Legislativo

Em abril de 2024, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, chamada de PEC das Drogas, que determina que é crime possuir ou portar qualquer quantidade de droga, mesmo que para consumo próprio. O texto é de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e ainda será analisado na Câmara dos Deputados. 

Sua aprovação reverteria a decisão do STF a respeito da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de uma comissão especial para debater a PEC das Drogas.

Este conteúdo também foi checado pelo Estadão Verifica.

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