A UFMG não realizou estudo que comprova a eficácia do suco de inhame para curar a dengue

  • Publicado em 19 de março de 2024 às 20:55
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  • Por AFP Brasil
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) não realizou um estudo que comprovou a eficácia do suco de inhame cru para “cortar os efeitos” da dengue. Publicações com a alegação circulam pelo menos desde 2014 e voltaram a surgir nas redes sociais, com mais de mil interações, em meio ao surto da doença no Brasil em 2024. Porém, a UFMG, que já desmentiu a alegação anteriormente, reafirmou que não há nenhuma pesquisa sobre o tema. Ao AFP Checamos, especialistas também informaram que o inhame não tem eficácia comprovada contra a dengue.

“ATENÇÃO: DENGUE- URGENTE Se você está com Dengue preste atenção: de acordo com um estudo realizado pela UFMG (mas inda não divulgado), o suco feito de inhame (carazinho) corta os efeitos da Dengue em apenas 4 horas. O inhame deve ser batido cru no liquidificador, apenas com água”, diz uma das publicações, que circulam no Facebook,  no Instagram e no TikTok.

Algumas mensagens (1, 2) indicam, ainda, o consumo do suco de inhame cru misturado com coco, limão ou maçã. 

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Captura de tela feita em 15 de março de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

As publicações afirmam que o inhame (também chamado de “carazinho” pelos usuários) seria capaz de prevenir ou curar os sintomas da dengue em função de propriedades que teriam relação com o aumento do nível de plaquetas e o reforço ao sistema imunológico.

O conteúdo, que já circulou em 2014, voltou a ser compartilhado em meio a um surto de casos de dengue no Brasil e em países da América do Sul em 2024. 

Segundo dados do Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, até o momento já foram registrados mais de 1,9 milhão de casos prováveis e mais de 600 mortes pela doença no país em 2024.

Uma busca por palavras-chave no Google com os termos “suco de inhame” e “dengue” levou a conteúdos publicados sobre o tema com afirmações de que o tubérculo seria um “tratamento natural” contra a doença, em função da suposta capacidade de eliminar impurezas do sangue. 

No entanto, em páginas especializadas, a indicação não é a mesma. No site da Associação Paulista de Desenvolvimento da Medicina (SPDM), informa-se que, apesar de ser considerado um alimento nutritivo, o inhame não tem nenhuma eficácia comprovada contra a dengue.

A mesma pesquisa levou a um artigo sobre o tema de 2008, publicado pelo portal Conexão UFRJ, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

No texto, escrito em meio a um contexto de epidemia de dengue na cidade naquele ano, uma pesquisadora da instituição apontou que algumas propriedades do alimento poderiam ter relações indiretas com a melhora dos sintomas, mas não a ponto de comprovar a eficácia do inhame para os casos de dengue.

A busca também levou a uma reportagem do portal g1 sobre a morte de uma pessoa após tomar o suco de inhame para combater a doença, indicando possíveis riscos do consumo da receita caseira.

Um estudo da UFMG?

Uma nova busca, dessa vez pelo suposto estudo publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais, levou a um vídeo da TV UFMG de maio de 2019 com mitos e verdades sobre a dengue. 

No material, a professora Marise Fonseca, da Faculdade de Medicina da instituição, nega que haja comprovação sobre a suposta eficácia do suco de inhame para curar a doença, e indica não existir estudo sobre o tema.

Na gravação, a professora corrobora a informação sobre os perigos de ingerir alimentos crus, cuja forma é indicada nas publicações virais.

Ao AFP Checamos, a UFMG desmentiu a existência do estudo em 2020. Procurada novamente em março de 2024, a universidade disse que “a resposta permanece a mesma: não identificamos nenhum estudo nesse sentido”.

Pesquisadores consultados pela AFP também foram unânimes em afirmar que o suco de inhame não tem eficácia comprovada contra a dengue.

O infectologista e professor da UFMG Unaí Tupinambás indicou que não existe nenhum estudo publicado sobre o uso do tubérculo para o tratamento da doença, “portanto sua eficácia não está comprovada”. O professor também disse que podem existir pesquisas sobre o tema no Brasil, “mas, com certeza, se existem, ainda não foram analisadas por pares e publicadas”.

Tamara Nunes Camara, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), concordou: “A verdade é que não há um tratamento específico para a dengue, pois não há antivirais específicos para o vírus causador dessa doença”. E reforçou que o tratamento para a doença é “o repouso e a hidratação intensa, a fim de reduzir a chance de evolução para um quadro grave”.

Sobre a receita indicada nas publicações, afirmou: “Não existe nenhuma comprovação científica de que o suco de inhame, associado ou não com frutas, seja eficaz no combate à infecção pelo vírus da dengue. Tampouco é cientificamente comprovado que possa aumentar o número de plaquetas no sangue”

Segundo a professora, o suco de inhame seria importante apenas como fonte de nutrientes ao corpo e para a hidratação, pela presença de água, mas que essa bebida não seria a única nem a principal fonte de hidratação para o paciente. 

Por fim, Camara alertou para os perigos de realizar tratamentos com base em conteúdos recebidos pelas redes sociais, e pediu que as pessoas com dengue procurem atendimento médico.

Em fevereiro deste ano, em contato com o AFP Checamos, o Ministério da Saúde informou que recomenda apenas o uso dos medicamentos indicados no manual de manejo clínico da dengue, disponível no site oficial da instituição: “Não é de conhecimento do Ministério da Saúde que existam outros tratamentos de dengue além daqueles recomendados pela pasta”, afirmou. 

“Os medicamentos indicados para o tratamento dos sintomas têm aprovação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e constam na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do Sistema Único de Saúde”, finalizou a pasta.

Conteúdo semelhante foi verificado por Aos Fatos e Reuters.

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