Lúpulo usado na produção de cervejas não possui canabidiol em sua composição

  • Publicado em 29 de fevereiro de 2024 às 20:05
  • 3 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Um vídeo com mais de 11,6 milhões de visualizações nas redes sociais voltou a circular em fevereiro de 2023 com a alegação de que a cerveja causa efeitos “tranquilizantes” por ser feita com lúpulo, planta da família da Cannabis que possuiria a substância canabidiol (CBD) em sua composição. Mas isso é falso: apesar de o lúpulo pertencer à mesma família que as plantas do gênero Cannabis, especialistas negam que a flor e, portanto, a cerveja tenham canabinoides em sua composição. Além disso, a Anvisa confirmou à AFP que a venda de produtos alimentícios com CBD no Brasil é ilegal. 

“Cerveja é incomparável com a vida!! Olha porque a cerveja relaxa!”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram e no Kwai.

O vídeo também foi enviado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem encaminhar conteúdos vistos em redes sociais, se duvidarem da sua veracidade.

Image
Captura de tela feita em 19 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Na sequência viral, um homem fala sobre as diferentes propriedades da cerveja em um podcast. “A cerveja é incompatível com a vida. [...] Aonde que tá a graça da cerveja? Está no lúpulo. O lúpulo é uma flor. Derivado de qual planta? Do cânhamo. E o cânhamo é de qual família? Da Cannabis. E o que tem então na cerveja que é tão prazeroso? CBD, canabidiol”, ele afirma. 

Uma busca reversa por fragmentos do vídeo levou ao perfil de Sergio Marcussi no Instagram. Na legenda, ele se descreve como empreendedor, ginecologista, nutrólogo e mestre em Tecnologia de Alimentos. 

Uma pesquisa na conta de Marcussi conduziu a publicações similares à gravação viral, de trechos do podcast “DoutorPod”. Uma segunda pesquisa, dessa vez pelas palavras-chave “DoutorPod” e “Sergio Marcussi”, conduziu ao episódio completo do programa, publicado no YouTube em 25 de maio de 2023.

Mas, apesar de o lúpulo ser de fato uma planta da família Cannabaceae, a mesma das plantas do gênero Cannabis, não há em sua composição o canabidiol (CBD), uma das substâncias presentes na maconha. Ou seja, o uso de lúpulo na produção de cerveja não é indicativo da presença de CBD na bebida, indicaram especialistas ao Checamos. 

Família Cannabaceae

Segundo Angélica Cristina de Souza, bióloga, doutora em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, e pesquisadora na área de microbiologia das fermentações, “o lúpulo (Humulus lupulus L.) é uma planta pertencente à ordem Rosales e à família Cannabaceae, que possui apenas dois gêneros, Cannabis e Humulus”.

Entretanto, ainda que a planta pertença à mesma família da Cannabis sativa, popularmente chamada de maconha, as duas possuem diferentes características. 

“O uso do lúpulo tradicionalmente está relacionado à indústria cervejeira, na qual é utilizado para conferir amargor e aroma aos diferentes tipos de cervejas. (...) Todos os compostos importantes encontram-se nas inflorescências de plantas femininas do lúpulo, chamadas de cone. Nesses cones são produzidas resinas que são peculiares ao lúpulo e que não são encontradas em nenhuma outra espécie de plantas”, Souza acrescentou. 

De acordo com o professor de Ciência dos Alimentos da Universidade Federal de Lavras, Disney Ribeiro Dias, é consenso universal que a cerveja é o produto de quatro componentes: “malte (geralmente de cevada, mas pode ser de outro cereal), lúpulo, levedura e água”

Entretanto, o lúpulo utilizado na produção da bebida “não sintetiza CBD, nem THC, no seu metabolismo por falta de enzimas específicas”. “Portanto, não há canabinoides na cerveja (oriundos do lúpulo ou dos ingredientes básicos)”, completou.

Souza também encaminhou ao AFP Checamos um artigo publicado em 2018 na revista científica Phytochemistry Reviews, apontando que pesquisadores da Universidade de Lille, na França, analisaram mais de 100 componentes do lúpulo, dentre os quais não foi identificado o canabidiol.

Segundo Dias, seria possível uma modificação genética da planta para que ela passasse a sintetizar canabinoides, mas isso configuraria um produto ilícito, como confirmou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao AFP Checamos em 22 de fevereiro de 2024.

Segundo a agência, as substâncias derivadas da Cannabis sativa “são classificadas como proscritas (proibidas), sendo permitido o acesso apenas para fins médicos e científicos, de forma controlada e supervisionada, conforme normas vigentes”. “Tais normas não englobam a produção, a comercialização, a importação ou qualquer outro uso para fins alimentícios”, completou.

Por fim, a Anvisa reiterou que a alegação de que o lúpulo contém canabidiol “não procede”.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco