A folha de mamão não tem eficácia comprovada contra a dengue

  • Publicado em 29 de fevereiro de 2024 às 16:47
  • 7 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
É falso que o chá ou extratos da folha do mamoeiro tenham eficácia comprovada para minimizar os efeitos da dengue e aumentar o nível de plaquetas. Mas dois vídeos com essa alegação foram compartilhados mais de 20 mil vezes nas redes sociais desde 7 de fevereiro de 2024. Em um deles, um homem indica a folha como uma “forma natural” de combate à doença. No segundo, uma mulher ensina a fazer um chá com a planta, que teria ajudado na recuperação da dengue. Ao Comprova, projeto de verificação do qual a AFP faz parte, especialistas apontam não existir estudos que comprovem uma resposta terapêutica.

“Você sabia que o mamão, uma fruta tão comum em nossas casas, pode ser uma poderosa arma contra a dengue? Isso mesmo! Suas folhas têm propriedades medicinais surpreendentes que ajudam a combater essa doença de forma natural e sem gastar nada!”, diz uma das publicações no Facebook

O segundo vídeo, no qual uma mulher fala de uma suposta forma de fazer as plaquetas subir, circula no TikTok.

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Combinação feita em 29 de fevereiro de 2024 de capturas de tela de publicações no Facebook (E) e no TikTok (.)

No primeiro vídeo, um homem chamado Daniel Forjaz, que se identifica como biólogo e especialista em plantas medicinais, diz que o Brasil vive uma epidemia de dengue “o tempo todo”. Segundo ele, “quando a gente vai saber se está com dengue ou não, a primeira coisa que fazem é um exame de sangue para verificar o nível de plaquetas. Se estiver com a plaqueta muito baixa, provavelmente você está com dengue”.

Em seguida, ele menciona as supostas propriedades medicinais da folha de mamão que seriam importantes no combate à doença: “Aumenta o nível de plaquetas, o que evita a hemorragia, e o número de glóbulos brancos também se eleva no nosso sangue. E ela fortalece a membrana das células. E o fortalecimento das nossas células impede que o vírus entre para se reproduzir lá dentro. Não quer dizer que você não vai ter os sintomas da dengue, não quer dizer que você não vai pegar dengue. Significa que você vai poder combater de maneira natural, e sem efeitos colaterais, a dengue usando o extrato de mamão”.

Na segunda gravação, uma mulher faz um relato pessoal sobre a doença. Ela conta que, devido à dengue, seu nível de plaquetas caiu rapidamente, o que a fez correr o risco de ser internada e passar por uma transfusão de sangue. Por isso, ela passou a tomar o chá de folha de mamão, segundo conta. Ela apresenta, então, um trecho da participação de Daniel Forjaz em um podcast, no qual, a partir do minuto 37:30, ele defende o uso da folha de mamão para combater a dengue.

Por fim, a mulher ensina a fazer o chá a partir da folha: “Gente, isso salva vidas, isso faz toda a diferença. (...) Subiu minhas plaquetas. Melhorou muito, estava passando muito mal. Então façam isso”.

As publicações circulam em meio a um surto no número de casos da dengue no Brasil e em outros países da América do Sul. Dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses, do Ministério da Saúde, mostram que até o momento foram registrados mais de 991 mil casos prováveis e 207 mortes pela doença no país.

Folha de mamão não tem eficácia comprovada

Uma busca no Google pelos termos “folha de mamão” e “dengue” levou a publicações sobre a suposta eficácia da planta no combate à doença (1, 2, 3), principalmente relacionado ao aumento do nível de plaquetas.

A mesma pesquisa levou a um estudo publicado pelo LabFBot, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre as “propriedades farmacológicas das folhas e sementes do mamão”. Porém, em dois momentos o documento menciona o caráter preliminar das análises sobre o tema, que demonstram uma ação em potencial dos extratos de folhas de mamão contra a dengue e sua relação com o aumento de plaquetas.

A conclusão afirma: “Como a grande maioria dos estudos foi de natureza pré-clínica, é necessária a realização de mais estudos clínicos, principalmente isolando os compostos ativos, melhorando assim a compreensão do potencial de ação terapêutica a fim de comprovar a segurança e eficácia do poder antioxidante, anti-inflamatório, hipoglicemiante, antitumoral e antiviral do uso do mamão C. papaya em humanos”.

Mas, ao Projeto Comprova, especialistas desmentiram a suposta eficácia da folha de mamão no tratamento de pacientes com dengue.

De acordo com o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o consumo de chá de mamão, folha de mamão ou suco de mamão não aumenta o número de plaquetas, seja em uma pessoa saudável ou em um paciente com dengue. Na avaliação do especialista, alegações como essa desviam a atenção do que realmente importa, que é o diagnóstico precoce da doença e a busca por um serviço médico.

Barbosa disse também que não existem estudos clínicos que comprovem a relação entre o chá de folha de mamão ou qualquer produto proveniente do mamão e o aumento do nível de plaquetas. Segundo ele, o que pode existir são estudos in vitro, ou seja, realizados em laboratório, mas que não atestam a eficácia em uma pessoa. 

“Para a gente aprovar um tratamento eficaz, ele precisa ter os famosos ‘estudos de fase três’. Isso significa usar a intervenção, nesse caso seria o chá de folha de mamão, em um grupo de pessoas e, no outro grupo, usar o placebo”, explicou.

Por isso, o infectologista afirmou que o chá de folha de mamão só poderia ser considerado eficaz caso fosse constatado um aumento real de plaquetas no grupo em que for utilizado: “Por mais que vá citar um estudo A ou B feito em laboratório, em tubo de ensaio, não há comprovação clínica, então não funciona”.

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(AFP)

Para a infectologista Marise Reis, professora associada e chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a queda no nível de plaquetas é uma alteração esperada em casos de dengue, mesmo em formas mais brandas. Segundo ela, os índices servem como parâmetro para monitorar a gravidade da doença. “As plaquetas caem mesmo e são recuperadas posteriormente, de forma espontânea”

A professora concordou que não há evidência ou estudo que comprove a relação entre o consumo do chá de folha de mamão e o aumento do nível de plaquetas. “Para o controle da dengue, eu diria que não temos nenhuma evidência científica”, ressaltou.

Sobre a alegação vista em um dos vídeos, de que a folha de mamão evitaria um quadro hemorrágico, a infectologista Eliana Bicudo, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também desmentiu a informação. De acordo com ela, de fato não existe nenhum trabalho científico que evidencie uma resposta terapêutica da folha de mamão ao tratamento da dengue.

Por esse motivo, a infectologista disse que o chá da folha de mamão não foi responsável por aumentar as plaquetas da jovem em um dos vídeos que circula nas redes, mas sim a evolução natural da doença com o passar do tempo. “Não é um chá especificamente o motivo da melhora dela. Os anticorpos dela é que começaram a combater o vírus. Com isso, ocorre uma menor destruição das plaquetas”.

O especialista em arboviroses Kleber Giovanni Luz, infectologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS), igualmente concordou que a folha de mamão não tem efeito no tratamento da dengue. 

Ao contrário do que indicam as publicações, Luz afirmou que o consumo desse tipo de chá tem riscos e pode causar uma inflamação no fígado: “A gente não deve usar esses produtos naturais — apenas os chás — com sentido de hidratar a pessoa. O ideal é o soro de reidratação oral e água”.

Dengue não tem tratamento específico

De acordo com Eliane Bicudo, a recomendação médica para pessoas diagnosticadas ou com suspeita de dengue é a hidratação, sugerindo “em 24 horas, 80 ml de líquido por quilo de peso corporal”. A especialista acrescenta que isso ocorre porque a doença desidrata rapidamente pela febre, pelos vômitos e pela diarreia. Assim, os pacientes devem ingerir bastante líquido para evitar o agravamento do quadro.

Alexandre Naime Barbosa disse também que os pacientes devem procurar o serviço médico logo nos primeiros dias e fazer hidratação de acordo com a fase da dengue em que se encontram.

O Ministério da Saúde indica que a dengue é uma doença febril aguda, sistêmica, dinâmica, debilitante e autolimitada. Na seção do site sobre a doença, a pasta informa que quem apresentar febre de 39° a 40° graus de início repentino e pelo menos duas das seguintes manifestações — dor de cabeça, prostração, dores musculares e/ou articulares e dor atrás dos olhos — deve procurar imediatamente o serviço de saúde.

No início de fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde informou ao AFP Checamos que a distribuição das vacinas Qdenga começou a ser feita no dia 8 deste mês para crianças de 10 e 11 anos, e que, em seguida, avançaria nas faixas etárias. Em 22 de fevereiro, a segunda remessa de vacinas contra a dengue foi enviada a dez estados do país.

Conteúdo semelhante foi checado por UOL Confere, Agência Lupa e Aos Fatos.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Estadão, da Tribuna do Norte e da Revista Piauí. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

Referências

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