Substituto de carne derivado de células animais não foi aprovado na União Europeia

Na Alemanha, estão disponíveis substitutos de carne produzidos com impressoras 3D, mas eles são derivados, exclusivamente, de ingredientes vegetais. Contudo, desde janeiro de 2024, publicações com centenas de interações nas redes sociais alegam que uma empresa holandesa distribui bifes fabricados a partir de células animais para restaurantes alemães. Mas tanto a companhia quanto especialistas explicaram à AFP que a carne fabricada a partir de células animais não foi aprovada pela União Europeia. Além disso, as imagens compartilhadas junto às publicações circulam fora de contexto.

“Uma fábrica na Holanda que trabalha com impressoras 3D imprime 500 toneladas de bifes por mês. Essa empresa, a Redefine Meat, fornecerá filetes impressos aos restaurantes alemães e aproximadamente 110 restaurantes alemães já estão comprando ‘carne’ da Redefine Meat. Para começar o processo de carne impressa em 3D, os cientistas fazem biópsia de uma amostra de células estaminais animais dependendo do tipo desejado de carne”, dizem publicações compartilhadas no Facebook e no Telegram.

Alegações similares também circulam em inglês, espanhol, húngaro e alemão.

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Captura de tela feita em 26 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

O texto viralizado explica que, após uma biópsia, as células são submetidas a um processo de “proliferação in vitro”, que faz com que se multipliquem e formem uma espécie de “bio-tinta”, que seria usada por um braço robótico para produzir a carne. A mensagem é acompanhada por duas fotografias: uma mostra a carne em processo de desenho e a outra exibe as fibras do produto.

Atualmente, existem diversos substitutos para a carne e produtos lácteos. As alternativas geralmente contêm proteínas vegetais provenientes da soja, grãos ou trigo, e também podem ser produzidas com impressoras 3D, a partir de ingredientes puramente vegetais ou células animais.

Sem autorização

A especialista em alimentação do Centro de Aconselhamento ao Consumidor de Brandemburgo, na Alemanha, Annett Reinke, disse à AFP em 12 de fevereiro de 2024 que a Redefine Meat é uma fabricante de substitutos de carne na Alemanha, cujos produtos são distribuídos principalmente através de restaurantes que fazem anúncios nas redes sociais.

“Os produtos são desenvolvidos com os ingredientes vegetais habituais, como ervilha, soja, trigo, arroz ou coco”. Alimentos produzidos por impressoras 3D  também são comercializados, como é mencionado em uma matéria da imprensa alemã.

Contudo, as alternativas para a carne criadas a partir de células animais não foram autorizadas na Alemanha e na União Europeia, explicou Reinke.

“Estas autorizações não existem atualmente para a carne de laboratório. A carne cultivada em laboratório já está autorizada em Singapura, e Israel também está na vanguarda”, afirmou.

Para ser comercializado em restaurantes, esse tipo de alimento deve ser autorizado pelo Regulamento de Novos Alimentos da Alemanha e cumprir com os critérios da União Europeia (UE). Além disso, deve submeter-se a uma avaliação sanitária, conforme explicou Reinke.

“As culturas de células e tecidos podem vir basicamente de animais, plantas, microrganismos, fungos ou algas. Assim, a carne e o peixe cultivados em laboratório são considerados novos alimentos e devem passar por uma série de exames e avaliações críticas antes de serem aprovados para a comercialização”, detalhou Reinke.

Quando uma solicitação de autorização é apresentada, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em alemão) verifica se os novos produtos são seguros. Só após uma autorização explícita eles podem ser comercializados e incluídos em uma lista da UE de novos alimentos.

Além disso, especificam-se condições de uso, padrões de rotulagem e informações sobre possíveis alergias, segundo Reinke: “Só os novos alimentos autorizados que constam nessa lista podem ser comercializados de acordo com as novas condições estabelecidas por ela”.

Uma busca por palavras-chave do texto não levou a qualquer reportagem sobre a suposta autorização de comercialização da carne de laboratório pela autoridade europeia.

A EFSA disse à AFP, em 13 de fevereiro de 2024, que tais produtos devem ser autorizados segundo as disposições do regulamento sobre novos alimentos antes que possam ser vendidos na UE.

“De quase 300 solicitações de novos alimentos que recebemos para a avaliação de segurança desde a implementação do regulamento em 2018, ainda não recebemos solicitações para a avaliação de risco dos alimentos de origem animal derivados de culturas celulares”, afirmou a instituição.

Neste contexto, veículos de comunicação indicaram que a subsidiária de uma empresa de alimentos alemã iniciou um diálogo com a EFSA sobre carne cultivada. Contudo, a EFSA negou ter recebido inscrições da companhia: “a empresa pode estar a ponto de submeter a sua inscrição, porque nos pediu conselhos gerais antes de apresentá-la”.

A empresa também nega as afirmações

A Redefine Meat descreve em seu site que seus produtos são desenvolvidos unicamente com ingredientes de origem vegetal, informação confirmada por sua equipe de imprensa em 12 de fevereiro de 2024.

A empresa disse à AFP que as alegações compartilhadas nas redes sociais eram “informação falsa” e manifestou a sua “frustração” pela desinformação. Segundo afirmou, a Redefine Meat é “uma companhia que não usa células-tronco, nem ingredientes animais”.

Em uma reportagem publicada em janeiro de 2023 no jornal alemão Wirtschaftswoche, o fundador da Redefine Meat, Eshchar Ben-Shitrit, afirmou que, em uma das fábricas da empresa nos Países Baixos, as impressoras 3D podem produzir até 500 toneladas de “carne” por mês, a partir de ingredientes puramente vegetais.

Origem das fotos

A Redefine Meat desmentiu a autoria das fotografias de carne compartilhadas nas redes sociais.

Uma busca reversa pela foto do processo de impressão 3D conduziu a uma sequência publicada pela rede de televisão Deutsche Welle (DW), em 1º de junho de 2022, sobre um empreendimento na Espanha que produz carnes feitas a partir de vegetais e cereais com impressoras 3D. A imagem compartilhada nas redes sociais pode ser vista no minuto 1:08, mas a reportagem não tem relação com a empresa Redefine Meat. 

Uma segunda busca, dessa vez pela imagem das fibras da carne, levou a um vídeo da agência de notícias Associated Press, divulgado pelo canal Euronews, em 2 de fevereiro de 2022, sobre o “lançamento comercial na Europa da primeira carne derivada de plantas feita em uma impressora 3D”, da Redefine Meat. A foto que circula com o conteúdo viral aparece no minuto 1:03.

Sem registro em Brandemburgo

Algumas publicações mencionam que “os primeiros produtores deste tipo” chegarão em breve ao mercado de Brandemburgo, na área de Berlim. “Já estão a publicitar nos meios de comunicação públicos, por exemplo no sábado na rádio BB”, afirmam. Contudo, essas alegações não são exatas.

Um porta-voz do Ministério de Assuntos Sociais, Saúde, Integração e Proteção dos Consumidores do estado de Brandemburgo disse à AFP em 13 de fevereiro de 2024 que a instituição “não tem conhecimento do processo de produção da empresa Redefine Meat”. O ministério também assinalou que não possui conhecimento de planos similares por parte de outros produtores.

Um assistente da direção da emissora de rádio privada para Berlim e Brandemburgo, a BB Radio, disse à AFP em 12 de fevereiro de 2024 que o veículo “não emitiu nenhum anúncio sobre este tema”. Tampouco encontrou-se informações editoriais a esse respeito.

Em maio de 2023, a Sociedade Estatal de Radiodifusão dos Estados de Berlim e Brandemburgo informou sobre a carne produzida por impressoras 3D. Todavia, foi indicado que tratavam-se de produtos de origem vegetal.

Referências

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